7 de abril de 2011

A chance das mulheres nas presidenciais da América Latina.

(obs.: não há nenhuma intenção política neste levantamento, apenas se destaca a rápida ascensão recente das mulheres em candidaturas presidenciais.)

As 7 maiores economias da América Latina são pela ordem Brasil, México, Argentina, Colômbia, Venezuela, Chile, Peru. Daí para a 8a. (Equador) há um pulo muito grande (o PIB do Equador é um pouco mais que 1/3 do Peru.)

Bom, no Brasil temos Dilma [1], com mandato até dez./2014.

No México haverá eleições em 2012:

http://www.terra.com.mx/articulo.aspx?articuloId=676474

Parece que o PRI (muito mal-comparando o PMDB local) dessa vez recuperará o osso, que perdeu em 2000 para o PAN (algo como o PSDB), sendo que o PRD (que se diz de esquerda como PPS e PSB mas apoia o governo neoliberal) ainda não decidiu se lança candidato próprio ou alia a PAN. Não importa, a curiosidade é que nas pré-candidaturas do PAN governista há uma mulher com boas chances, Filomena Vasquez-Mota [2] (mas Santiago Creel ainda é pré-candidato favorito no PAN.)

Na Argentina C. Kirchner [3] desfruta de maior popularidade este ano que na maior parte de seu mandato. As eleições são daqui a alguns meses e ela é nome certo para 2º turno. Não vi sondagens para resultado final, mas parece que ela levará para o mandato 2012-2015.

Na Venezuela não há nada feminino em vista (eleições no final de 2012, com Chávez como favorito em um instituto oficial - óbvio, e perdedor em um instituto da mídia – também óbvio...) Na Colômbia houve uma pré-candidata governista, em 2010, mas Santos levou ao fim.

No Peru vemos que Keiko Fujimori [4] (como Sarah Palin ou Katia Abreu, de matiz conservador. As mulheres estão se impondo na política por todos os lados ou os partidos estão atrás do voto feminino?), embora em 2º lugar para 1º turno aparece como vencedora (em relação a Humala) na última pesquisa de 2º turno (de 28/mar.) para o mandato 2011-2016.

Finalmente no Chile temos uma situação curiosa (http://www.elpatagonico.cl/?p=18451), talvez pelo personalismo. Grosso modo é assim : qualquer pré-candidato governista (Piñera é popular mas não pode se reeleger) ganha nas pesquisas de qualquer pré-candidato da Concertácion que não seja Michele Bachelet [5] e, ao contrário, M. Bachelet ganha de qualquer candidato governista... Chilenos fazem pesquisas com muita antecedência (3 anos pelo menos) e por isso não se deve estranhar, mas a eleição será em dez./2013.

Ao fim e ao cabo o que temos? Durante o ano de 2014 (especificamente) teremos boas chances de ver de 2 a 3 (Roussef, Kirchner, Bachelet) até 5 (+ Vásquez-Mota, K. Fujimori) presidentas nos 7 maiores países latino-americanos, chances que se alongam mais um ano se Dilma se reeleger (a partir de 2016 Kirchner e Keiko não poderiam se reeleger.)

Está de bom tamanho para um continente tão machista...

x-x-x-x-x-x

Em tempo : na bolsa de apostas ladbrokes.com Obama aparece como favorito para 2012 (paga 1,6 por 1, versus 2,1 por 1 do conjunto republicano.) Sarah Palin está em 3º geral (há um republicano mais favorito como candidato) e Hillary Clinton apenas em 9º geral (mesmo sendo a 2a. favorita dentre os democratas, é quase certo que Obama será o escolhido pelo partido, "paga" apenas 1,06 por 1.)

Não sei quando será composto um novo governo parlamentar no Canadá, mas esse país já teve primeira-ministra, em 1993.

Gays na propaganda comercial - bom humor é o tom

Estamos a todo momento lendo sobre os problemas causados pela homofobia, vamos ver também o lado engraçado, ou pelo menos alto-astral, da diversidade sexual?

No Youtube há vários comerciais - com situações, personagens ou referências gays – em sua maioria bem humorados, no meu entender não-preconceituosos.

Mas tudo não-brasileiro, infelizmente, e a razão sabemos, né?

Uma primeira seleção:

1) Cinzano (Argentina)

2) Renault

3) Seguradora Central Beheer (não foi ao ar)

4) Levi’s

5) Comercial israelense de 2003 (parece filmado em São Paulo.) Tem um bonito beijo gay no final

6) Nissan

7) Turismo de casamento (Canadá)

8) Dolce & Gabbana

9) Campari (cross-dressers)

10) Absolut (se entendi bem o filho é cúmplice do adultério da mãe...)

11) Pepsi (consta que não chegou a ir ao ar)

12) McDonald’s (França) (muito sensível)

13) Móveis IKEA Áustria (metrosexual)

14) IKEA Alemanha (bissexual)

15) Ikea Espanha (transexual)

16) Hyundai (um dos meus favoritos)

17) Rádio Donna

Vídeos:

29 de março de 2011

Dilma 47 é muito diferente de Lula 48

Semana passada vimos pela imprensa a primeira pesquisa de popularidade, do Datafolha, mas sem os detalhes. Muito mais interessante é analisar a pesquisa completa, pouco divulgada mas disponível em:
http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=1135 (vale ler o relatório, tabelas completas estão disponíveis para download também.)


Muitos acham a participação de Dilma em programas populares uma concessão às classes médias e/ou à mídia tradicional. Mas não será marketing político para segmentos com menor hábito de consultar a mídia impressa? Por outro lado, já nas eleições se percebia a menor relutância nos segmentos de maior renda e maior escolaridade em apoiar a Presidenta.

A segmentação das intenções de voto em 2006 e 2010
Desde a eleição sabemos que Dilma é menos popular que Lula (o que é óbvio.) Enquanto este obteve 61% dos votos válidos em 2006, frente a Alckmin, ela recebeu 56%, frente a Serra, não houve transferência total da popularidade de 83%.

As pesquisas eleitorais apontavam para isso, em quase todos os recortes sócio-demográficos Dilma recebia 5 ou 6% menos de intenções de voto que Lula (última coluna da 1ª. tabela.) As vantagens de Lula sobre Alckmin, em torno de 22%, reduziram-se, para Dilma, a 10 a 12%.

Mas as pesquisas também mostravam algo muito relevante : essa diferença entre os candidatos petistas era tanto menor quanto maior a renda, escolaridade ou proximidade ao Centro-Sul e idade entre 35 e 60 anos. Em outras palavras, grupos que alguns presumem como com maior acesso e/ou interesse por noticiário.

Nesses segmentos Lula (2006) deve ter tido no máximo 5% a mais de votos válidos que Dilma (2010). No nível superior de escolaridade e renda acima de 5 s.m., provavelmente apenas 3% (como as pesquisas Datafolha de véspera em ambas as eleições ficaram muito próximas do resultado final, assumimos suas partes como inferência do voto segmentado.) Já no Nordeste ou na população em famílias até 2 s.m. de renda Lula teve até 9 pontos mais de intenções de voto que Dilma!

Na apuração da eleição (2º turno), os 45.9% de Dilma em SP, por exemplo, foram significativamente semelhantes aos 47.7% de Lula em 2006 (e apenas 2%, ou 240 mil, menos votos .) O contraste é o Nordeste :  os 22.8% de Alckmin saltaram para 29.4% com Serra! (quase 30% a mais, ou 2 milhões de votos.)

Há preconceituosos que podem dizer “o Nordeste elegeu Dilma” ou “o Centro-sul é conservador” (isto também é imagem pré-concebida), mas da comparação entre eleições sabemos que o Centro-sul (SP, Sul, Centro-Oeste) quase não se mexeu e o Nordeste (+ parcelas de MG e Norte) foi quem trouxe quase todo o crescimento eleitoral da campanha tucana!

Assim, não importa muito saber que na classe média de SP Serra ganhou com folga (em bairros da capital chegou a 80% dos válidos) e que em quase todas as microrregiões do Nordeste Dilma ganhou, isso era o esperado. Temos sempre é que acompanhar como as coisas se deram comparativamente à situação anterior e Dilma não foi, na eleição, menos popular (ou menos votada), junto às classes médias, do que Lula tinha sido em 2006. Nem nos estados de maior renda. E mesmo com a campanha tendo sido como foi (mas foi menos votada do que uma hipotética 3ª. eleição de Lula.)

Conhecimento de um candidato é algo ainda muito importante se a população não for muito politizada, sindicalizada, etc. Quem pode ter ficado em desvantagem nesse processo todo talvez tenha sido a credibilidade da mídia junto a seu público, não a da candidata governista. Salientamos esses números para demonstrar que a campanha desconstrutiva de imagem (de Dilma) ou o promessômetro tiveram muito maior impacto nos grupos com menor renda.

Essa avaliação é mais para “marqueteiros”, mas pensemos : se nas parcelas atingidas pela “velha mídia” Dilma obteve votação parecida com a de Lula e se nas parcelas com menor acesso à imprensa escrita o resultado ficou bem aquém (ainda que bom), porque se questiona tanto, agora, a participação de Dilma em programas populares? Ou seja, 2014 já está em curso...

As pesquisas de popularidade de primeiro trimestre de mandato
Vamos comparar as pesquisas de aprovação de presidência de começo de mandato (Lula 20/mar./2007; Dilma 16/mar./2011.) [2ª. tabela]

Para Dilma em mar./2011 o “ruim/péssimo” foi apenas 7%, o menor nível obtido por um presidente em início de mandato (Collor 19%, FHC I 16%, Lula I 10%.) Sem ter tido tempo de mostrar nada de tão excepcional em políticas públicas (a Rede Cegonha foi só hoje, p.ex., Lula havia lançado o Fome Zero antes da pesquisa) essa ausência de reprovação pode ser atribuída à manutenção da sensação de bem-estar divulgada na campanha. Só uma hipótese. Mas reforçada pelas expectativas : 78% apostam que o governo será pelo menos bom ao longo do mandato.

As “classes médias” : embora Lula, em mar./2007, tenha recebido boa avaliação geral, ele chegou a 24% de “ruim/péssimo” na avaliação das pessoas com ensino superior , 20% entre aqueles com mais de 5 e até 10 s.m. de renda, 26% naqueles com mais de 10 s.m. de renda. No Sul/Sudeste chegava a 18% de desaprovação. Tudo isso em comparação com a desaprovação média nacional de 14% (Nordeste 8%.)
Já para Dilma os números de “ruim/péssimo” de todos os segmentos foram bem próximos à média nacional de 7% : 8% no ensino superior, 6% na renda entre 5 e 10 s.m., 13% entre os mais ricos. Para Lula, portanto, a desaprovação ia de 26% (+ ricos BR) a 8% (Nordeste), uma diferença muito grande (18 pontos.) Já para Dilma os extremos são quase os mesmos, + ricos com 13% e Norte/Centro-Oeste com 6% (demais regiões 7%), mas apresentando apenas 7 pontos de diferença entre eles.

Note-se a aprovação por escolaridade : Lula teve 54% de apoio inicial junto aos eleitores com ensino fundamental e apenas 33% junto aos eleitores com curso superior. Para Dilma foi 50% e 42%. Uma diferença de 21 pontos reduziu-se a 8! No geral, portanto, tanto a aprovação como a desaprovação de Dilma são muito mais parecidas entre as várias regiões e recortes sócio-demográficos do que foram com Lula, dispersão bem menor em torno da média. Ainda vale a tese preconceituosa de que Dilma foi eleita pelos favorecidos pelo Bolsa-família ou pelos analfabetos? Esqueça-se o que circulou de agressividade no twitter e na internet no pós-eleições, marqueteiros olharão para dados em 2014, não para as manifestações precipitadas de 2010.

Virada feminina : no 2º turno Dilma recebeu 55% das intenções de votos masculinas e 47% das femininas, situação semelhante à de Lula em 2006 (61%; 55%.) Poderíamos esperar que uma primeira pesquisa acompanhasse as urnas, já que tão pouco tempo decorreu (normalmente quem votou “aprova” e vice-versa.) No entanto, agora, somente 43% dos homens aprovam o governo de Dilma vis a vis 51% das mulheres (com Lula em março/2007 foi o contrário : 51%; 45%) Somando as diferenças, que são em direções opostas, a aprovação de Dilma é 14 pontos mais feminina que a de Lula (em início de 2º mandato); isso é uma substancial novidade que não se percebe olhando apenas os índices globais de 47 e 48% que eles receberam. A que se deveria?

Importância do conhecimento em todos os segmentos : é claro que agora o nome Dilma é conhecido, já na altura da eleição apenas 2% dos eleitores ainda não sabia quem seria “candidato do Lula/PT”. Mas isso não quer dizer que todos tenham, depois, tomado conhecimento do governo. As aparições de Dilma são mais discretas, o que acaba se estendendo às ações de governo. Quando se perguntou o que se achava do governo do presidente Lula, este recebeu 7% de “não sabe” em 31/mar./2002 e apenas 1% em mar./2007. Já Dilma atingiu um recorde para uma primeira pesquisa: 12%.

Isso se dá até de modo homogêneo: 13% dos com ensino fundamental, 15% dos com ensino superior, 12% dos com renda até 2 s.m., 11% dos com renda superior a 10 s.m. não sabem avaliar o novo governo. Por pesquisas seguintes de outros presidentes a tendência é esses percentuais deslocaram-se primeiro para uma posição de “regular”, em um período seguinte irem para a desaprovação (quando as expectativas deixam de ser atendidas.) Acompanhemos, pois.

Considerações finais
As tabelas mostram dados para as pesquisas de véspera das eleições e as primeiras pesquisas de popularidade. Em rosa os segmentos onde Dilma se saiu relativamente melhor que Lula.

No geral o Nordeste é bem menos “dilmista” do que foi “lulista”, a aprovação caiu, entre presidentes, de 59 para 50%, mas a desaprovação apenas de 8 para 7%. O Sul é o oposto : a aprovação foi dos 36% de Lula para os 44% de Dilma, a desaprovação caiu substancialmente, de 18% para os mesmos 7% do Nordeste. Como as demais regiões são intermediárias dessas duas citadas, o que temos é um país bem mais homogêneo na apreciação do trabalho da presidenta, o que já se antecipava na pesquisa de véspera de eleição : Dilma teria 9% menos de preferência no Nordeste que Lula e somente 2% a menos no Sul (os dados oficiais das urnas ficaram muito próximos disso.)

Como dito antes, a hipótese é que a campanha eleitoral difamatória e/ou o promessômetro tiveram bem maior impacto no Nordeste do que no Sudeste e Sul. Se isso for verdadeiro, Dilma poderá ter um bom espaço para aumentar sua popularidade no Nordeste e em MG (e portanto na média do Brasil) quando, entre outras coisas, o S.M. de R$ 625 for anunciado em jan./2012.

Em resumo, Sudeste, Sul, mulheres, pessoas com ensino médio e superior, pessoas com renda acima de 5 s.m. são mais “dilmistas” agora do que foram “lulistas” há 4 anos atrás. Isso já se percebia desde as eleições, mas as mudanças mais dramáticas de lá para cá, percebidas pela pesquisa, foram Sul, mulheres e ensino superior, pois para estes segmentos Dilma obteve um gap de aprovação (ótimo/bom deduzido de ruim/péssimo) pelo menos 15 pontos maior que o de Lula, sendo 25 pontos de diferença na escolaridade superior! (47 na média é bem diferente de 48 ;)... ). Observe-se nas células em amarelo como a popularidade de Dilma é algo muito mais homogêneo e distribuído do que havia sido a de Lula.

Se para tais segmentos a redução do preconceito ou uma postura menos agressiva da mídia pode ter contribuído para maior popularidade de Dilma, por que o mesmo não ocorreu em regiões menos ricas, com pessoas de menor renda e/ou escolaridade? Frustração por não haver salário mínimo de R$ 600 ou, talvez, a ainda pequena exposição junto ao eleitorado?

Aguardemos as aparições de Dilma em programas na TV, as medidas de governo que forem sendo tomadas - e divulgadas, a postura da mídia e, enfim, uma nova rodada de pesquisas (que deve ocorrer entre junho e agosto.)






27 de março de 2011

Exportações de manufaturados : um enigma a desvendar

Seria muito bom se algum especialista em contas externas pudesse ajudar a esclarecer a seguinte questão : como é possível que as exportações brasileiras de manufaturados voltaram a crescer recentemente apesar da valorização cambial?
Que os produtos básicos e semimanufaturados aumentaram sua participação na pauta de nossas exportações de 46% (1997) para 60% (2010) é notório : houve algum aumento de quantidade, mas principalmente substantiva valorização desses itens em relação aos manufaturados pelo mundo todo. Assim, produtos básicos aumentaram sua participação em valor em todo o comércio internacional, não apenas no Brasil. E países que dependem de exportações industriais viram suas relações de troca deteriorarem.
Também é sabido que tal valorização das matérias-primas permitiu o equilíbrio das contas externas brasileiras, sustentando o aumento do consumo doméstico além de sua própria oferta, especialmente de 2008 para cá. Tal equilíbrio é completado pela entrada de investimentos diretos, embora haja a suspeita de investimentos especulativos disfarçados dentre estes (teria que ser explicado como o volume de tais investimentos dobrou, de US 30 bi anuais para quase US$ 60 bi, em um ano e meio.)
Contudo, apesar da  expressiva valorização cambial real (113% de 2004 para 2010, a acreditar nas contas do Banco Mundial, que comparam os níveis de preços internos de cada país com os dos EEUU, apreciação essa menor se em relação a outros países) o nível absoluto de exportações brasileiras de manufaturados (em acumulados anuais) vem se recuperando desde jan./2010, estando agora apenas 12% abaixo de seu pico histórico (out./2008, ou seja, antes dos efeitos da crise se disseminarem em sua total amplitude.)
Que “teorias” poderemos apresentar para isso?
- os insumos transacionáveis internacionalmente poderiam ser componente relevante da formação final de preço (isto é, porção relativamente pequena do preço não seria dolarizada), permitindo que a valorização local de salários seja compensada por ganhos de produtividade;
- que ocorre uma mudança internamente na pauta de produtos manufaturados exportados, privilegiando aqueles com menor uso intensivo de mão-de-obra;
- que a elasticidade-preço nos mercados internacionais é menos importante que a capacidade de oferta de bens (observe-se que a aumentos de demanda internacional por produtos básicos correspondem aumentos também para os produtos manufaturados);
- que a manufatura brasileira absorve perdas de preços na forma de menor rentabilidade, sacrificando sua capacidade futura de investimento.

De qualquer modo, em momentos de crise mundial, como 1999 e 2002, o baixo valor real do câmbio no Brasil não ajudou a impedir a queda de exportações nem para manufaturados nem para produtos básicos. Analogamente, a desvalorização pós-crise de 2008 (mais intensa de out./2008 a abr./2009, com o US$ a mais de R$ 2,20) colaborou para a redução de importações, mas também não impediu quedas de 20% nas exportações de qualquer linha. Finalmente, apesar da maior valorização histórica do Real (22% acima do pico anterior de 1996), estamos com crescimentos anuais em torno de 20% na exportação de manufaturados (puxados pela demanda internacional da recuperação?) desde o início de 2010.
Talvez o câmbio não seja a variável macroeconômica mais importante...




Existe preconceito em relação a paulistas?

Dia 26 passado apareceu no brasilianas.org (vulgo Blog do Nassif) um post sobre o tema título:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-preconceito-contra-sao-paulo

Para quem não acompanha as discussões de lá é meio "solto", mas dá para perceber que a indignação do autor é em relação ao reducionismo que se manifesta em blogs quando em algumas discussões surge o Estado de São Paulo.

Vale a pena ler a carta de Mário de Andrade citada nesse post. Nela vemos como a questão é antiga, e também o quanto de fator econômico contém. Não mudou muito desde os anos 30...
Inspirado por esse post é que escrevi o que segue:

Existe algum preconceito em relação a São Paulo e seus habitantes, mas, em parte e na minha opinião, com sua razão de ser. Deve ser compreendido para ser superado.

Durante décadas (principalmente de 1930 a 1990) o estado se apropriou de renda através de políticas tributária e de comércio exterior que o favoreceram com um mercado cativo. Outros estados não podiam importar livremente produtos industriais, por exemplo, com a venda de seus produtos básicos, tendo assim desvalorizadas suas relações de troca.  Um pouco como a reprodução em miniatura de um processo de imperialismo norte-sul.

O corolário dessa situação é que por volta de 1990 a renda per capita no estado era 85% superior à média das demais unidades da federação, situação que pouco se alterou desde então.
Se isso favoreceu ou não o desenvolvimento do Brasil como um todo não vem ao caso agora, mas a proteção à produção industrial – e também agrícola – paulista, e a sucessiva acumulação e concentração de recursos financeiros e humanos, notadamente o poder de decisão econômica, foi um processo pouco percebido também por seus habitantes, alguns dos quais atribuem a pujança econômica do estado a um vago e mítico espírito empreendedor, trabalhador ou coisas assim.

Aqui cabe pensar se esse diagnóstico, de que a maior afluência econômica seria motivadora de posturas injustificadamente arrogantes, é verossímil. Creio que sim.

Não é necessário ser de outro estado para perceber que existem, sim, no nosso estado, pessoas pouco sensíveis a qualquer iniciativa para a necessária desconcentração regional de renda. E também há pessoas preconceituosas e petulantes em relação a oriundos de outros estados, julgando com uma régua equivocada de valores.

Posturas desse feitio eventualmente poderão ser notadas também entre os habitantes dos estados que sucedem em riqueza a São Paulo. Mas, em nenhum deles há semelhante proporção de nascidos fora do estado, reduzindo-se as situações eventuais de preconceito cotidiano, pelo menos o de origem geográfica.

Muito disso poderia ser mitigado com maior disseminação de história, de cultura, de sociedade, de conhecimento do outro e de si mesmo. Mas não se deu também assim o processo que levou ao preconceito xenofóbico em países centrais? E que por sua vez leva a uma reação, também preconceituosa, da qual é exemplo o sentimento antiamericano? Não há novidade em nada disso.
Enfim, se há preconceito em relação a São Paulo, quanto disso não se originou de um conceito, da percepção de que há uma porção visível de paulistas que “se acham”? Circunstância que inclusive embaraça, quando não envergonha, a muitos paulistas natos.

Mas tais conterrâneos “sem noção”, são minoria, acredito, de qualquer modo. Pena que aparecem em cena, às vezes, mais que nossos Mários de Andrade.

6 de março de 2011

Brasil : 7ª maior economia do mundo em 2010/2011.

O texto foi escrito em 03/jan., para outro blog. Como as estimativas se confirmaram, vai sem edição/atualização.
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As estimativas são que em 2010 o Brasil passou a ser, por pouco, a 7ª. maior economia do mundo (o que só poderá ser confirmado em março ou abril) e que deve permanecer assim este ano e em 2012 (dependendo de sua taxa de crescimento e a de países europeus, 2013 segue o ano mais provável para o Brasil passar a 6ª maior economia.) No entanto, se as economias da Rússia, França e Reino Unido revelarem-se excepcionalmente fracas, e a do Brasil forte, há chances matemáticas do Brasil ser a 6ª ou mesmo a 5ª economia ainda este ano, dependendo do critério de medição.

Há uma publicação muito boa da The Economist, todo ano, na qual se mostram prospecções para o ano seguinte para as 80 maiores economias do mundo. No Brasil a 25ª edição chama “O Mundo em 2011”, com tradução da Carta Capital e custa R$ 15,90 nas bancas. Recomendo enfaticamente.

Nela encontraremos que as previsões para 2011, para o porte das 10 maiores economias do mundo são:
PIB em US$ bilhões correntes:
ESTADOS UNIDOS : 14.996 / CHINA : 6.460 / JAPÃO : 5.621 / ALEMANHA : 3.127 / FRANÇA : 2.490 / REINO UNIDO : 2.403 / (7º) BRASIL : 2.052 / ITÁLIA : 1.888 / ÍNDIA : 1.832 / RÚSSIA : 1.737
PIB por Paridade de Poder de Compra (PPP) em US$ bilhões (os países são os mesmos, mas em outra ordem, ao lado as taxas de crescimento previstas para 2011, já embutidas nos PIBs):
ESTADOS UNIDOS : 14.996 +1,5% / CHINA : 11.292 +8,4% / ÍNDIA : 4.508 +8,2% / JAPÃO : 4.408 +1,3% / ALEMANHA : 2.989 +1,1% / RÚSSIA : 2.351 +4,0% / (7º) BRASIL : 2.314 +4,5% / REINO UNIDO : 2.221 +1,3% / FRANÇA : 2.189 +1,1% / ITÁLIA : 1.864 +0,6%

[Uma avaliação sobre a pertinência do atual tipo de câmbio R$/US$, sobre os dinamismos relativos e sobre a grande disparidade de renda média requereria esforço adicional. Esses importantes assuntos estão propositadamente omitidos por ora. Fiquemos naquilo que normalmente a imprensa vai acabar noticiando, que são rankings...]

O que se pode observar:

- Como não deve haver mudanças relativas de posição entre 2010 e 2011 (apenas a Índia passará o Japão no segundo critério por sua muito maior taxa de crescimento) o Brasil já deve ser a 7ª maior economia, pelos dois principais critérios, desde 2010 (em 2009 os PIBs de França e Reino Unido foram maiores que o do Brasil pelo critério de PPP; em 2009 o PIB da Itália foi maior que o do Brasil em US$ correntes. A se confirmar as ultrapassagens pelo Brasil em 2010.)

- Pelo critério PPP o Brasil deve completar 2011 com PIB inferior em apenas 1,5% ao da Rússia. De 1993 a 2004 o PIB brasileiro já tinha sido superior ao da Rússia e, dependendo das circunstâncias do mercado de gás/petróleo (a Rússia é muito dependente da exportação desses produtos para o mercado europeu), uma nova ultrapassagem em 2011 ou 2012 é possível, o que deixaria o Brasil em breve como 6ª economia em termos reais (independentemente de oscilações cambiais.) 

- O PIB em US$ correntes para o Brasil em 2010 pode ser previamente estimado em US$ 2.050 bilhões (o anúncio do valor correto deve ser em março/2011). A Economist Intelligence Unity prevê valor similar para 2011, mas considerando inflação de 4,4% e crescimento real do PIB de 4,5%. Isto pode significar uma previsão implícita de desvalorização cambial de 9%. No entanto, se tal desvalorização não ocorrer e se a taxa média de câmbio em 2011 permanecer em R$ 1,75/US$, o PIB do Brasil será, nessa medição, de US$ 2.225 bilhões (mas mantendo-se em 7ª posição.) Porém, o Euro (desde 2008) e a Libra (desde 2007) experimentaram desvalorização em relação ao US$, de 16 e 8% e esse movimento está ainda em curso. Enquanto a moeda brasileira permanecer na valorização atual, e se houver uma desvalorização subseqüente de 10% do Euro ou da Libra, o PIB do Brasil, nessa medição, ultrapassaria os de França e Reino Unido apresentando-se como o 5º maior (o que seria algo insólito e não necessariamente desejável para este e próximos anos.)

As previsões de que o Brasil seria a 5ª ou 6ª economia do mundo pela época da Rio-2016 ficam desse modo um pouco antecipadas. Elas tinham sido feitas antes da medição dos impactos da crise de 2008 e, como as economias européias saíram-se relativamente mal em 2009 e 2010, tanto em crescimento como em apreciação de suas moedas, o Brasil ultrapassou Itália e provavelmente ultrapassará França, Reino Unido e Rússia antes do que havia sido imaginado. A seguir a previsão do PIB por PPP para 2011 como percentual daquele de 2007 (antes da crise) para as 25 maiores economias do mundo (o que inclui todos os G-20):

ESTADOS UNIDOS (2011/2007) : 107% / CHINA : 153% / ÍNDIA : 139% / JAPÃO : 103% / ALEMANHA : 102% / RÚSSIA : 115% / BRASIL : 124% / REINO UNIDO : 102% / FRANÇA : 103% / ITÁLIA : 99% / MÉXICO : 120% / COREIA DO SUL : 123% / ESPANHA : 100% / CANADÁ : 109% / INDONÉSIA : 131% / TURQUIA : 103% / TAIWAN : 135%  / IRÃ : 119% / AUSTRÁLIA : 121% / POLÔNIA : 118% / HOLANDA : 104% / ARGENTINA : 126% / ARÁBIA SAUDITA : 119% / TAILÂNDIA : 117% / ÁFRICA DO SUL : 114%

Por esta medição o Brasil deve se sair como a 6ª economia melhor sucedida, dentre as 25 maiores, na absorção dos efeitos da crise financeira de 2008 (atrás de China, Índia, Taiwan, Indonésia e Argentina.)

Uma curiosidade :
Mantidas as seguintes taxas de crescimento anuais para o PIB (EEUU 1,5%; China 8%; Índia 6%; Japão 1%; Alemanha 1%; Rússia 4%; Brasil 5%), a economia do Brasil ultrapassaria a da Alemanha por volta de 2018, tornando-se a 5ª maior em poder de compra. Se a Índia mantiver sua moeda desvalorizada como atualmente, a economia do Brasil em US$ correntes pode vir a ser a 4ª maior em algum ano a partir de então (atrás de EEUU, China e Japão.)

3 de março de 2011

A inflação distante do umbigo da blogosfera

A Presidenta surpreendente
Durante o ano de 2010 muitos blogs, apelidados aqui e ali de “sujos” ou “progressistas” dedicaram-se a desmontar o pensamento único da grande mídia (que por sua vez recebeu a jocosa alcunha de PIG.)
Mas quem vai desmontar o pensamento único da blogopauta? Não parece contraditório que uma candidata a presidente, Dilma, tenha sido tão elogiada por meses e... surpresa! Assim que toma possa é crítica atrás de crítica. Há exceções, claro.
Critica-se tudo, a escolha dos ministérios, as composições no Congresso, as presenças na mídia, pretensos recuos (no caso, recuos em relação a coisas que ela nunca prometeu ir atrás, diga-se.)
É curioso criticar-se a presidenta até por se deixar elogiar na mídia. Ora, o que se queria? Que o Planalto plantasse menções negativas através de assessoria de imprensa? Que a velha mídia só criticasse e aí sair em socorro?
O poder dificilmente muda de mãos, não é necessário lembrar disso. O que às vezes muda é a orientação de governo, que pode interferir em políticas de Estado e leis. Mas pode existir adesismo também, normal. A melhor piada que li esta semana foi  no twitter : “Tive que sair por dez minutos... Mais alguém aderiu ao governo?”
É claro que surgem 476 explicações do porquê estar tudo errado agora (passados apenas 2 meses da posse) e razões para estarmos pessimistas (eu não estou.) Nesse irrestrito gosto por teorias de conspiração, acaba se perdendo o gosto pela informação. (E, alguém anda checando a audiência de blogs, número de visitas, de comentários, etc?)
O horror do aumento da Selic
Muito barulho agora em torno de taxas de juros. Foi para 11.75% tsc tsc. É mandatório falar por todos os lados que os gastos anuais de juros (brutos) equivalem a XX Bolsas-família. Comenta-se das tendências neoliberais “deste” governo, do pensamento único da mídia e dos bancos pautando o mesmo... Mas porque ninguém lembra que existem impostos sobre os juros, especialmente o inflacionário, e que depois disso sobra só ¼ do rendimento?
Vamos raciocinar : o governo prometeu continuísmo à população se elegesse Dilma. Continuidade é o que terá. Ela prometeu convergência às taxas internacionais de juros para emergentes em 4 anos (eu ouvi isso no Roda Viva, mas não ouvi ela dizer que seria em 2011.) Ela prometeu combater inflação, e é isso que fará. Independente de eu ou mais alguém acharmos inflação um mal menor, o que conta é o que o povo espera. O que cabe falar é sobre ferramentas para isso.
Mas não se pode perder o discurso que denuncia o “poder dos rentistas”, então fica quase interditado falar que existe (ainda!) inflação no Brasil. E que ela está aumentando. Vamos torcer para que alimentos, algodão e petróleo caiam de preço nos próximos meses, mas não dá pra ter isso como certo. (Ah, falar que o desemprego é baixo e que há restrições para o desenvolvimentismo agora também não é de bom tom...)
De qualquer modo, o que temos:
- as elevações recentes de juros são bem menores que a elevação da inflação (o INPC passou de 4,3% até ago/10 para 6,5% em jan/11; a Selic líquida de IR, acumulada em 12 meses, passou de 7,4% para 8,4%. O que subiu mais?)
- as taxas nominais e reais de juros caíram substancialmente desde 2006 (e mesmo assim o Real continuou apreciando, então esqueça-se esse mito de que basta baixar juros para desvalorizar);
- desde nov./2010 o ganho líquido dos rentistas está abaixo de 2% a.a., há 3 anos em torno de 4% a.a. ou menos (qualquer bolha imobiliária é coincidência...)
- os juros reais da Caderneta de Poupança (algo reverenciado pela população), mesmo isentos de impostos, não passam de 2% ao ano desde 2007, com risco de se tornarem negativos agora;
- ainda existe uma identidade macroeconômica que diz que Poupança (S) = Investimento (I). Ou seja, não será diminuindo a atratividade da poupança que se elevarão os investimentos.


As alternativas à política monetária
É um problema para Dilma, Mantega e Tombini administrar, entre tantas outras questões, uma inflação que se avizinha dos 7% (4% apenas nos últimos 5 meses), o que não se via desde 2008.
Muitos críticos do governo dizem saber que política monetária não resolve para lidar com inflação. Não duvido. Ok, com eles a palavra: se não é para manter juros reais positivos, o que é para fazer?

21 de fevereiro de 2011

O que seria incorreto no humor?

Já que se fala tanto de defesa do humor em relação aos perigos do politicamente correto, busquemos um exemplo : “Os Simpsons” às vezes é apresentada assim :
http://brasilianas.org/blog/luisnassif/o-politicamente-incorreto-dos-simpsons

O que haveria de incorreto nas piadas dos Simpsons? Pouco, até porque as TVs norte- americanas são em geral corretas.

Incorreto é ofender ou desqualificar grupos ou pessoas a partir de estereótipos ou preconceitos, e não é isso o que acontece em geral em “Os Simpsons”. Uma fala apontando que velhos seriam inúteis poderia ser tomada como incorreta, mas também como denúncia (por ironia) a um preconceito arraigado. Outras coisas ficam entre o inspirado e o chavão. A eventual exploração de idiossincracias de grupos não é algo incorreto em si, ao contrário, pode ser fonte de ótimo e inteligente humor (nesse sentido Adam Sandler e a maioria das séries norte-americanas são sim corretos. E divertidos.)

Incorreta certamente é a programação da Fox, haveria algo mais incorreto que mentir?
Isso de "politicamente correto", tido como “patrulha insensata”, foi uma piada que se disseminou no Brasil nos anos 80, quando se comentou nos jornais daqui algumas coisas dos EEUU, da cultura de lá (e às vezes do Reino Unido, mas quanto não se deve ao inglês não ter muitas das flexões de gênero que há em outros idiomas?) Porém nunca houve um grupo ou ong no Brasil, além de casos individuais e esporádicos de militância (e provavelmente com razão), que defendesse restrições de terminologia, censura ou algo assim. (Talvez nem nos EEUU..., aquilo de “verticalmente prejudicado” foi uma invenção humorística, o termo correntemente usado é “little people”.)

No fim o que restou : sempre que alguém se posiciona a favor de respeito ou direitos humanos, especialmente em questões como machismo, intolerância religiosa, racismo ou xenofobia, detratores dessas causas misturam as coisas e defendem suas posições conservadoras amparados em uma pretensa defesa da liberdade de expressão vis-a-vis uma imaginária ditadura do politicamente correto. Porém, seria sumamente incorreto (quando não mesquinho), alguém escudar-se nisso para defender agressões preconceituosas ou ideais reacionários em meios de comunicação.

E a coisa pegou a um ponto (e no caso a existência da internet trouxe uma sobrevida a um processo já em declínio) que pessoas que normalmente se indignariam com algumas coisas se sentem tolhidas em criticar para não parecer “politicamente corretas”. Não é incomum encontrar-se pessoas corretíssimas e bem intencionadas que se preocupam denecessariamente com isso. (Mas eu não me sinto nem um pouco tolhido com essa pretensa antipatrulhagem, diga-se.)

Fala-se muito em “a turma do PC”, os “PC querem nos censurar”, etc. Mas quem? Exemplos concretos? Se alguém achar algum patrulhamento concreto e com conseqüências negativas no Brasil, muito provavelmente apenas será uma exceção que confirma a regra : militantes são sensatos e não arriscariam suas causas por pouca coisa.

Fala-se também do humor que se perderia se a “patrulhagem” fosse bem sucedida. Mas quais os exemplos a citar desse humor? Não se sabe. Ou se trata de piadas tão ruins que as pessoas ficam constrangidas em contá-las (e que TV nenhuma poria no ar) ou são piadas fracas, mas não incorretas.

Desencanemos, pois : se houvesse algo ou alguém realmente “politicamente correto” (o que não há) isso não deveria ser confundido com censura ou falta de humor, mas considerado como expressão de respeito, bom senso, capacidade de conviver com diferenças e os limites que as liberdades (e direitos) de outrem impõem. Aquilo que se chama hoje em dia “bom combate” (expressão esta, isso sim, reinvindicada e assumida por vários grupos, especialmente religiosos.)

E falta de imaginação, humor fácil, piadas velhas, chavões, etc não são “politicamente incorretos” nem alvo de ninguém ou de nenhum grupo. São apenas o que são, humor menos refinado, buscando sobreviver. Mas servindo de escada para outras coisas...

Resumindo : “incorreto”, a meu ver, são as mentiras, os preconceitos e os falsos argumentos. O resto em torno do assunto é construção de uma caricatura para facilitar justamente a perpetuação disso.

12 de fevereiro de 2011

Falando de contas públicas

Como semana que vem aparecerá o novo orçamento, e como sempre haverá críticas por qualquer lado, cabe exercitarmos o conhecimento dos números envolvidos.

Alguns discursos indevidos
As contas públicas brasileiras parecem saudáveis , mas não é isso que se ouve. A dívida pública é baixa em termos internacionais e em relação à capacidade de arrecadação. É falácia dizer-se que “gastos excessivos” levam a “dificuldades de finaciamento”, tanto porque o país apresenta há muito tempo superávit primário, tanto porque a relação dívida pública/PIB cai quase todos os anos (atualmente em 40,4%, linha 26 na tabela.) O risco Brasil é baixo (menor que de algumas economias européias) e não parece mandatório pagar-se Selic além dos 1,5%-2% reais que outras economias emergentes pagam para atrair capitais (para onde o capital fugiria?) Portanto, se os juros reais no Brasil são em torno de 4 ou 5% a.a., é porque assim se deseja (ou para manter o nível de poupança interna em uma economia com elevada propensão a consumir ou para frear inflação de demanda, além da que já ocorre por supervalorização das matérias-primas.)
Outro equívoco comum é considerar os gastos nominais com juros como sendo totalmente uma transferência de renda aos segmentos rentistas sem levar em conta a tributação incidente (IRRF ganho de capital, R$ 23 bi em 2010) e a inflação (senhoriagem, ou imposto inflacionário) que corrói o valor real da dívida pública líquida (6,5% * R$ 1,7 tri.) Deduzidos esses efeitos, o gasto com juros de R$ 195 bi em 2010, anunciado como 5,3% do PIB, representou na realidade apenas 1,7% do PIB, menor relação desde 2002. (linha 42 na tabela.)

O corte de R$ 50 bi
Supondo como politicamente válido o desejo de conter inflação, o ajuste fiscal ora anunciado é duplamente benéfico às contas públicas. Ao invés de elevar juros para conter uma demanda que concorreria com a do governo, veremos aumento de superávit primário (gastos correntes serão menores) e eventual redução de déficit nominal (juros podem ser menores do que seriam.)
De qualquer modo, uma política fiscal que prevê 5% de crescimento do PIB, para 2011, em uma economia de relativamente baixo desemprego, não pode ser chamada de contracionista. E veremos que muito pouco se reduzirão os gastos reais.
Ou o orçamento aprovado em 23/dez era muito generoso nas despesas ou o que será apresentado semana que vem é muito conservador nas receitas. Ou ambos. Não foi explicado porque a receita tributária caiu R$ 18 bi nesta revisão se o PIB será maior do que o previsto, em termos nominais, e não se prevê nenhuma desoneração. (E a previsão de R$ 4.056 bi para o PIB de 2011 é muito mais precisa que os R$ 3.927 bi aprovados na L.O.)
O orçamento original (proposta do executivo http://bit.ly/fS6s6O ) previa receitas de R$ 967 bi e despesas de R$ 914 bi. Isto significaria crescimentos nominais de 5,2 e 8,6% em relação aos números de 2010. Ora, reduzir em R$ 50 bi as despesas traz o crescimento nominal a 2,7% (em relação aos R$ 841 bi gastos em 2010), ou seja, um encolhimento real de apenas 3% dos gastos do Estado (se a inflação for 5,7%). Mas em relação a um ano de gastos recordes!
Está claro que o orçamento original estava superestimado, pois previa um crescimento real de 3% nos gastos do governo (iriam a 23,3% do PIB.) O novo orçamento, “pós-corte”, levará os gastos para 21,3% do PIB, um pouco acima dos 20,8% da média de 2005-2008 (em 2009 e 2010 foram de 22,0 e 22,9%, quando gastos do governo tiveram um papel anticíclico, o que não é necessário este ano.)
Enfim, o superávit primário do governo federal, que poderia ser de 1,4% (parecido ao de 2009, ano recessivo), poderá ser de 2,1% (como em 2006, 2007 e 2010.) Mais por isto ser bem razoável e compatível com a história do que por gosto do mercado.
Na tabela (linhas 3 a 18) vemos os principais números ao longo dos anos (os números do orçamento de dezembro em amarelo.) Enquanto não sai o novo orçamento temos que supor algumas coisas para 2011: PAC não aproveita a dotação extra aprovada em dezembro (que o levaria de R$ 40,2 para 43,5 bi), pessoal e transferências a estados crescem apenas de acordo com inflação e arrecadação, INSS tido como invariável.
Destaque deve ser dado à linha 16, Regime Geral da Previdência Social como proporção do PIB: o déficit é decrescente ao longo do tempo...

Possibilidades para juros
R$ 50 bi são 1,2-1,3% do PIB. Se, de fato, permitirem uma Selic em 1% menor ( http://bit.ly/hatRQa ), sendo que a dívida interna que remunera é em torno de 60% do PIB, aqui temos potencial para outros 0,6%/PIB de melhoria no resultado nominal. Interessante é que no discurso da mídia aparece que os juros podem “não aumentar” ou “aumentar menos”, enquanto no discurso de Mantega ouviu-se que se pretende “reduzir”. O que determinará um ou outro é a tendência da inflação.
Contudo, se o interesse fosse de contas públicas ainda melhores, flexibilizar em torno da meta de inflação, se for possível sem perder seu controle, seria favorável. Cada 1% de inflação a mais representam outros 0,5%/PIB de senhoriagem (imposto inflacionário sobre a dívida interna líquida.) Este artifício foi utilizado em 2010, o que ajudou a que a dívida/PIB baixasse nesse ano apesar das elevadas despesas do governo.
Se o governo projeta um PIB nominal 11% maior, com 5% de crescimento real, é porque fica implícita uma inflação de 5,7%. Dois anos seguidos de inflação acima de 4,5% não é o ideal, mas os preços dos alimentos dão uma justificativa.
Para ser uma única vez otimista, digamos que o governo corte os juros médios em 1%. Com juros de 10,25% (atualmente são 11,25%) na média do ano, teríamos gastos nominais de R$ 220 bilhões, em linha com os verificados em 2010. Mas se forem mantidos em 11,25%, aí teremos um gasto sobre o PIB de 6,1%, como não vemos desde 2007 (os números em rosa são todos minhas projeções, não encontrei projeções oficiais para o gasto com juros, agradeço sugestões para correção/aprimoramento das estimativas.)
O ano ainda está começando, mas pode-se imaginar que o déficit nominal terminará entre 3,3% e 4,8% do PIB, dos quais deverá ser subtraído um superávit de estados, municípios e estatais de 0,5 a 0,8% do PIB. Nada muito diferente do que se vê há vários anos, no pior dos casos parecido a 2005/2006, no melhor dos casos similar a 2008. Se for obtido um déficit nominal líquido de 2,5% para o conjunto do setor público, será um número muito satisfatório e que garante que a dívida pública/PIB não aumente.

Conservadorismo proposital?
Assim, este ano, o governo parece estar guardando muitos ases. Muitas coisas podem levar a melhoria das contas públicas (redução de gastos, não aumentar a Selic, desvalorização cambial, inflação.)
Eventualmente, o Real pode desvalorizar e, no patamar atual de reservas (13% do PIB), 10% de desvalorização já levariam a um superávit de 1,3% do PIB. Desvalorização também tem efeito positivo na arrecadação sobre lucros/salários, posto que maior parte da demanda é atendida internamente.
Não é necessário um ajuste fiscal expressivo (passar de 1,4% de superávit primário no orçamento para 2,2-2,6% na revisão); apenas é possível pelo fato da economia ainda estar aquecida, vinda da recuperação de 2010. Isto é, não é um ano em que políticas anti-cíclicas melhorariam emprego.
Nem é mandatório manter-se taxa tão elevada de juros, pois o próprio ajuste fiscal resulta em poupança, mas é politicamente conveniente fazer-se o possível para não se sair da margem superior da meta (6,5%.) Não tem sido comentado que ajuste fiscal é sempre mais estável que política monetária para conter inflação : em uma situação a dívida pública cai por dois lados, na outra sobre por dois lados (mais gastos, mais juros.)
Confirmando-se o novo orçamento, é difícil imaginar alguma piora no cenário.

7 de fevereiro de 2011

Minha PresidentA, sua PresidentE

A discussão sobre a flexão de gênero do substantivo “presidente” tomará no mínimo 4 anos. E, com a possibilidade de reeleição ou ainda de eleição de outra candidata no futuro, bom, pode ficar por tempo indeterminado.
Na verdade não é uma questão que vá muito além de gosto pessoal, pois ambas as formas, PresidentA e PresidentE são aceitas pela norma culta para uma mulher presidente. Apenas, de modo geral, recomenda-se evitar a redundância da expressão “mulher presidenta”
Longos debates, com mais de 100 comentários cada, aconteceram no blog brasilianas (aqui e aqui), devem ter ocorrido em outros lugares também com resultados parecidos : muita argumentação em torno de pouco problema. Resumo a seguir o que encontrei com maior frequência.
Razões para escrever PresidentA
- deferência à preferência pessoal e declarada da própria presidenta. Afinal, na ausência de regra que obrigue a um uso, por que não a gentileza de atender a um desejo? (Eventualmente isto poderá se relacionar com pesquisas de popularidade...);
- reforço da preferência eleitoral de quem está usando o termo. Isto é, aparentemente quem votou em Dilma seria mais propenso a usar a forma terminada em –enta. Mas Sarney usou –ente no discurso da posse. Vários blogs governistas também têm escrito -ente... E uol.com.br e ig.com.br têm usado –enta... Se isto chegou a ser significativo, talvez não seja mais. Em todo o caso, na mídia escrita, ainda dá para ver preferências aqui e ali... (Carta Capital definou –enta, FSP prefere –ente);
- afirmação de gênero. Muita gente apresenta como argumento que usará presidentA, independente de preferência pessoal, para favorecer a afirmação da presença da mulher na política e na tomada de decisões para a sociedade, presença esta que ainda está relativamente em seu início. Eventualmente esta prática poderá se estender a outras situações, para quando mulheres assumirem a principal posição no Senado, na Câmara, em tribunais. Será que não há um movimento similar nas organizações privadas? (Cabe lembrar que a outra candidata, Marina Silva, gostava de frisar suas chances de se tornar a “primeira mulher presidente”, outra maneira de afirmação de gênero.)
Considerando a importância de marcar a ascensão de mulheres a postos de comando, a afirmação de gênero parece-me razão suficiente e a mais importante para se insistir um pouco mais no uso de presidentA. Daí é aguardar se a sociedade sancionará o seu uso ou o abandonará como eventual modismo.
Razões para escrever PresidentE
- conservadorismo lingüístico. Embora a forma presidenta exista na literatura desde final do século XIX (Machado de Assis) e em dicionários desde o início do século XX, é fato que por muitas décadas as eventuais (e poucas) presidentas de alguma coisa foram chamadas de presidentes. Esta forma então se justificaria pelo fato de presidente ser comum de dois gêneros e não ser necessária a flexão de gênero;
- há muitas argumentações em torno de estilo, etimologia e eufonia (sons agradáveis), que podem ser lidas nas discussões apontadas ou pesquisadas na internet. Entretanto nenhuma se determinou cabal para determinar o uso de presidentE, nem sequer foi possível caracterizar a forma presidentA como uma exceção. Fica claro que em geral prevalece o gosto pessoal, inclusive para os partidários políticos e fãs da presidenta. Ou presidente. Ou da primeira mulher presidente...
O que pode e o que deve
Em resumo, pode-se usar tranquilamente ambas as formas. E não há uma ou outra que se deva usar. Por gosto ou tradição muitos preferirão presidente, por entusiasmo com a novidade muitos outros usarão presidenta. Então, o que se deve é sentir-se confortável no uso. Eu me sinto confortável usando presidentA e não penso em me autocorrigir se um dia vier a usar presidentE.
Trata-se de uma questão de posicionamento da sociedade além de um desenvolvimento linguístico corriqueiro, mas não tão grave. A situação toda é um evento incomum, raramente se vê uma mobilização assim em função do uso de uma palavra. O que irá predominar? Não sabemos e talvez as duas formas convivam por muito tempo. Afinal, logo na primeira entrevista como presidenta eleita, para duas jornalistas da TV Record, Dilma usou ambas as formas!
Podemos acompanhar pelo Google, o tira-teima rápido de qualquer questão:
Número de resultados no Google para as expressões “presidente Dilma” e “presidenta Dilma” (pesquisa em 07/fev./2011):
Out./2010 : 313 mil (-ente) / 115 mil (-enta) = 26,9%
Nov./2010 : 657 mil (-ente) / 267 mil (-enta) = 28,9%
Dez./2010 : 521 mil (-ente) / 230 mil (-enta) = 30,6%
Jan./2011 : 1.580 mil (-ente) / 716 mil (-enta) = 31,2%
Conclusão : embora pesquisas no Google não revelem “grandes coisas”, o que parece estar ocorrendo é que a forma –enta já é usada em quase 1/3 das páginas e citações e também que está crescendo lentamente, mas de modo marginalmente decrescente. Nesse ritmo, lá pelo final do mandato o uso de cada forma poderá estar em torno de 50%. Ou não.
Usem a forma que preferirem e façam suas apostas!

3 de fevereiro de 2011

Agora é que o Brasil segue o mundo

Tem sido muito comentada a capacidade da economia brasileira acompanhar os bons ventos da economia internacional. Ou escapar dos maus. Solicito paciência ao leitor para acompanhar o raciocínio exposto, que é longo, que deverá levar a seguinte consideração geral: o desempenho do Brasil não tem sido excepcionalmente melhor que o de outros países nos últimos anos (desde 2004), mas foi particularmente pior em períodos anteriores.
Sabemos que condições internacionais interferem de vários modos: cotações de preços para matérias-primas e mudanças nas relações internacionais de troca; acesso a mercados internacionais de crédito; reflexos das crises de outros países; fluxos de investimentos diretos; inserção no comércio internacional e dependência da oferta/procura externa.
Uma economia, por grande que seja como é o caso da brasileira, não é capaz de manter-se inteiramente alheia aos grandes movimentos internacionais. Como exemplo vivemos atualmente a “inflação mundial por preços de alimentos”; a “valorização geral das moedas de países emergentes”; o “descolamento das taxas de crescimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”.
Eventualmente, políticas desenvolvimentistas, industriais ou não, de um país podem levar a um desempenho melhor que outros países do mesmo estágio de renda. Alternativamente, imprudência na condução da economia ou excesso de ortodoxia podem levar a um desempenho inferior. O Brasil tem estado mais vezes neste segundo caso nas últimas três décadas.
DADOS CONSIDERADOS
Vamos fazer um pequeno retrospecto mostrando como as taxas de crescimento econômico se deram em diversos períodos recentes e em diversos grupos de países.
O que temos de dados: as estimativas de PIB por Paridade de Poder de Compra (em US$) de 1980-2009 e as projeções, feitas pela EIU (Economic Intelligence Unit da revista The Economist) para os anos de 2010 e 2011; os deflatores implícitos dos EEUU para trazer os dados em crescimento real  (importante porque na década de 1980 a inflação foi elevada nesse país); as populações em cada ano para o cálculo da Renda per Capita (importante porque as populações crescem de modo muito diferenciado em um período de 31 anos.)
Vamos dividir os dados de crescimento real por habitante em 4 períodos (de preferência de 8 anos cada, mas sendo o primeiro de 7 anos):
1981-1987 : fase inicial onde os países em desenvolvimento foram afetados pela crise da dívida, ao final contornada pelo Plano Brady;
1988-1995 : período de liberalização da economia em grande parte do globo; planos econômicos de estabilização em vários países, especialmente no Brasil;
1996-2003 : algumas grandes crises de dívida externa (Rússia e Argentina, p.ex.); no Brasil política de juros reais elevados (decrescendo de 16 a 10% no período);
2004-2011 : elevação internacional dos preços de matérias-primas; crise financeira e de demanda nas economias centrais (2008-2010); economias emergentes liquidam suas dívidas externas (esse processo não foi só brasileiro e economias asiáticas como Índia, China e Indonésia passam a manter de 20 a 40% do PIB em reservas internacionais.) Assume-se aqui as projeções mais recentes da EIU como realistas.
O universo considerado são as 33 maiores economias do globo (as com PIB em PPC superior a US$ 500 bi), ainda que para algumas (Arábia Saudita, Rússia, Polônia e Taiwan) não tenhamos todos os dados. As 29 economias com dados para todo o período representam 80% do PIB mundial.
Os períodos não coincidem com os mandatos presidenciais brasileiros, o que não é particularmente grave posto que 2011 apresenta características similares a 2010, 2003 foi em muito continuidade da política anterior e 1995 foi o último ano de forte crescimento na recuperação da recessão 1990-1992.
RESULTADOS DA COMPARAÇÃO
A tabela resumo mostra que:
De 1980 a 2011 apenas dois grandes paises em desenvolvimento atingiram renda para serem considerados desenvolvidos, a Coreia e, presumivelmente (pois sem dados para 1980), Taiwan
De 1980 a 2011 apenas dois grandes países subdesenvolvidos atingiram renda para serem considerados em desenvolvimento, a China e a Tailândia.
A desconcentração internacional de renda têm sido lenta entre países desenvolvidos e em desenvolvimento : a renda média destes como percentual da dos primeiros passou de 33% em 1980 para 29% em 1995 e daí para os atuais 36%. (A do Brasil passou de 35% em 1980 para 24% em 2003 estando agora em 30%.)
Contudo, China e Índia apresentam maiores taxas de crescimento da renda por habitante a partir dos anos 80 e 90, e, como isso não é incomum para países em que os fatores de produção estavam muito subaproveitados, a renda média dessas economias passou, como proporção da dos países desenvolvidos, de 4% para 14% em 31 anos.
Sem exceções, para o mundo desenvolvido, os dois períodos de maior crescimento (em rosa) sempre estiveram entre 1981 e 2003. O período 2004-2011, com um crescimento de apenas 4% reflete a crise de 2008 e, se compararmos com um crescimento típico de 17-19% para cada período de 8 anos, vemos o impacto total: uma renda média que poderia ter crescido 13-15% a mais. Neste grupo apenas a Austrália teve desempenho melhor, em função da exportação de minérios.
De maneira geral, para países em desenvolvimento, os melhores períodos foram 1988-1995 e 2004-2011. Algumas economias tiveram bom desempenho de 1996 a 2003, mas vários países apresentaram crescimento negativo em 1981-1987 (o período de maior ajuste à crise da dívida externa e do aumento dos juros nos EEUU.)
O descolamento é demonstrado pelas médias de cada grupo e período.

O BRASIL NESSE CONTEXTO
A economia brasileira completará em 2011 (possivelmente) um período de 8 anos de crescimento de 27% na renda per capita (37% no total, compondo com o crescimento da população.) Mas esse desempenho, que é muito bom, em parte devido a condições internacionais, em parte a políticas internas, não é exceção para países de médio desenvolvimento : na verdade, todos os principais países nesse grupo cresceram entre 22 e 32% nos últimos 8 anos! (A Argentina mais, pela recuperação após a grande recessão de 2002.) Assim, de 9 países no grupo, o Brasil foi o 4º (não constam na lista, mas economias como Peru e Chile tiveram desempenho similar.)
O que aconteceu que levou a tanta maior exposição do Brasil em foros internacionais?
a)      Grande tamanho relativo : o Brasil passou a Itália em 2010 como 7ª maior economia e talvez passe este ano a Rússia como 6ª;
b)      Valorização da moeda, ainda maior que a da maioria dos países, que fez o PIB em US$ correntes passar de 500 bilhões para 2 trilhões em 8 anos. Isto é relevante pelo poder de compra internacional (pense-se em armamentos, p.ex.);
c)       Sua economia verticalizada : trata-se de um dos poucos grandes países simultaneamente exportador de manufaturas (ainda que em baixa) e matérias-primas;
d)      Ter sido, em função de políticas sociais, um dos poucos países onde o crescimento deu-se com distribuição de renda.
Mas, principalmente, devemos falar do contraste com os períodos anteriores. De 1988 a 2003 a média dos 9 principais países em desenvolvimento (Brasil incluído) mostrou um crescimento de 36% em sua renda por habitante, mas o Brasil apenas 3%. Apenas Argentina e África do Sul tiveram desempenho tão ruim. Não é verdadeiro, portanto, atribuir-se a crises internacionais o fraco crescimento brasileiro de 1990 a 2003, sendo o mais provável ter havido uma combinação de moeda excessivamente valorizada; abertura exagerada a importações; juros excepcionalmente altos, enfraquecimento do mercado consumidor interno e baixo investimento em infraestrutura; que constrangeram a atividade econômica como um todo.
Todas as demais economias relevantes nesse período, excetuando as duas já mencionadas,  tiveram um crescimento de pelo menos 21% entre 1988 e 2003, expostas as mesmas crises internacionais do período, o que dá uma medida do que o Brasil perdeu em termos de potencial de produto : se tivesse acompanhado, nesses anos de mudança de política econômica para mais conservadora, o que se passou em outros países em desenvolvimento, seu PIB hoje seria pelo menos 18% maior.
Cerca de 2/3 do crescimento econômico do Brasil verifica-se nos últimos 8 de uma sequência de 31 anos e internamente isso trouxe uma sensação de bem-estar, mas talvez também de alívio por sair do marasmo. E não podemos perder de vista o seguinte : apenas na Argentina, África do Sul, Filipinas e Nigéria, dentre as maiores economias, observou-se algo similar.
Assim, o Brasil, mais do que revelar-se um cisne da economia mundial (e afinal já o tinha sido nos anos 70, ao alcançar em 1980 a posição de 8ª maior economia do mundo, que foi perdendo até chegar a ser a 13ª), parece chamar a atenção agora por ter deixado de ser um patinho feio. Talvez algum nacionalismo na nossa visão de mundo tenha superestimado o progresso recente e subestimado o retrocesso anterior.

30 de janeiro de 2011

O Caldeirão do Oriente Médio

Trata-se de uma história muito complicada, pelas inúmeras divisões, reviravoltas e contradições. Mas, abrindo mão do perfeccionismo na avaliação e do registro histórico, pedindo de antemão escusas por erros e omissões, e com simplificações, talvez possamos traçar alguns elementos gerais para a compreensão de como se caminhou até o momento atual:
HISTÓRICO BREVE
- até a 1ª. metade do século XX a maior parte da região de população árabe (o que exclui Irã e Turquia) era dependente politicamente de França e Reino Unido, sob a forma de colônia, protetorado ou acordos de política/defesa externa. Alguns países sofreram influência da Turquia (Império Otomano) até a derrota desta em 1918.
- na primeira fase após o declínio do poder exercido pelas metrópoles européias, descolonização quando aplicável, os que se mantiveram como monarquias via-de-regra foram alinhados ao campo ocidental, por óbvio. Apenas em algumas ocasiões (como Egito 1948) o sentimento arabista antagônico a Israel levou a posições contrárias, mas não rupturas.
- alguns países, no afã de acelerar suas economias ou mesmo serem menos dependentes, chegaram a flertar com o apoio da URSS, que buscava aumentar sua influência. Nenhum chegou a implantar o socialismo estrito senso (o mais próximo foi a Argélia), mas sistemas econômicos com forte participação estatal foram visíveis (o que não surpreende em comparação com países subdesenvolvidos dos demais continentes contemporâneos.) Muitos se intitulavam “não-alinhados”, o que era comum para países em desenvolvimento na época da Guerra Fria.
- a capacidade de influenciar na região ficou sempre determinada por alianças regionais (como Egito-Síria-Líbia em alguns anos), alinhamento a potências estrangeiras divergentes ou oscilações do mercado de petróleo. Uma história diferente da América Latina, portanto. Mas algumas mudanças na política econômica não : uma continuidade política no poder pôde envolver caminhar para algo mais liberal do mesmo modo que no México, na Argentina, Peru, porém sem maior democratização. E isso pode envolver um alinhamento aos EEUU no momento em que a URSS esteve em transição para sua dissolução.
MOMENTO ATUAL
- em geral o poder repousa nas mãos de monarquias absolutistas, ditaduras militares ou sistemas com partido único e/ou dominante. Oposição tolerada e democracia pluripartidária convencional não são elementos freqüentes. Há conflitos entre a modernização laica e o poder temporal mais agudos que na maior parte do mundo, que se mesclam aos recortes de classe.
- a doutrina islâmica vêm ampliando sua atuação política, pregando o retorno parcial de legislação de cunho religioso, aproveitando-se de conflitos sociais e econômicos. Tais correntes tendem a ser pouco pró-ocidentais e nacionalistas, mas não socialistas. O Irã é anti-estadunidense, e com forte presença estatal (bancos, p.ex.) mas pára nisso e sua classe média concentradora de renda é consumista como qualquer outra.
- as grandes clivagens acabam não sendo pelo lado econômico, dos mais pró-estadunidenses indo ao oposto  : regimes monarquistas teocráticos ou laicos; repúblicas pró-ocidentais; repúblicas não-alinhadas; repúblicas teocráticas.
- com exceção dos exportadores de petróleo, a maioria das nações da região oscila entre renda média baixa (mas bem superior à renda da África subsahariana) e renda média (como os maiores países da América Latina); grandes diferenças sociais, industrialização precária e rápido crescimento da população são a norma (com algumas exceções como o Irã, cuja fertilidade foi a que mais caiu no mundo nos últimos 20 anos.)
CENÁRIO POSSÍVEL
Independente de convicções ou desejos pessoais, o que podemos prospectar?
- como a maioria dos regimes não foi eficaz no desenvolvimento social, surge potencial para oposição pelo lado fundamentalista;
- a simpatia aos EEUU (e OTAN em geral) pode vir a ser decrescente. Note-se que raramente convulsões levam a sentimento pró-americano;
- monarquias podem enfrentar problemas inéditos;
- a inserção de Israel fica mais complexa (com menor simpatia da Turquia e Egito), apesar de maiores liberdades democráticas nos vizinhos. Em geral isso se agrava com o Likud no poder;
- as repúblicas de maioria islâmica da ex-URSS (Cazaquistão, etc.) podem finalmente vir a se posicionar na região, pois também não são exemplos de prosperidade democrática;
- Rússia pode encontrar caminhos para recuperar alguma influência;
- A observação gráfica indica um caminho mais ou menos comum : monarquia > república nacionalista de partido único > liberalização da economia e/ou maior influência do islamismo na legislação.
INFOGRÁFICO
Os países são apresentados pelos seus nomes atuais. (Por curiosidade : as cores do movimento pan-árabe são o preto, verde e vermelho; a cor símbolo do islã é o verde, logo, quase todas as bandeiras desses países são nessas cores, sendo o uso do azul e do amarelo incomuns.)
Legenda:
A altura das linhas dos países com PIB superior a US$ 200 bi é maior (em geopolítica isso pode, eventualmente, passar uma noção melhor da influência que a população ou área.)
+ = golpes de estado, guerras, conflitos expressivos
Azul claro = influência britânica / Rosa = influência francesa / Amarelo = influência de Turquia ou Itália / Vermelho = monarquia pró-ocidental / verde claro = liberalização da economia /  verde escuro = economia com viés estatista / cinza = influência de partidos islâmicos / grafite = república teocrática

27 de janeiro de 2011

Smoke Gets in Your Eyes

Quando fumante também é gente!

Você fuma? Em que cidade?

Vamos trocar ideias sobre nossas experiências como fumante (ou não-fumante), quais as dificuldades e estratégias para convivência em uma sociedade cada vez mais antitabagista.