21 de fevereiro de 2011

O que seria incorreto no humor?

Já que se fala tanto de defesa do humor em relação aos perigos do politicamente correto, busquemos um exemplo : “Os Simpsons” às vezes é apresentada assim :
http://brasilianas.org/blog/luisnassif/o-politicamente-incorreto-dos-simpsons

O que haveria de incorreto nas piadas dos Simpsons? Pouco, até porque as TVs norte- americanas são em geral corretas.

Incorreto é ofender ou desqualificar grupos ou pessoas a partir de estereótipos ou preconceitos, e não é isso o que acontece em geral em “Os Simpsons”. Uma fala apontando que velhos seriam inúteis poderia ser tomada como incorreta, mas também como denúncia (por ironia) a um preconceito arraigado. Outras coisas ficam entre o inspirado e o chavão. A eventual exploração de idiossincracias de grupos não é algo incorreto em si, ao contrário, pode ser fonte de ótimo e inteligente humor (nesse sentido Adam Sandler e a maioria das séries norte-americanas são sim corretos. E divertidos.)

Incorreta certamente é a programação da Fox, haveria algo mais incorreto que mentir?
Isso de "politicamente correto", tido como “patrulha insensata”, foi uma piada que se disseminou no Brasil nos anos 80, quando se comentou nos jornais daqui algumas coisas dos EEUU, da cultura de lá (e às vezes do Reino Unido, mas quanto não se deve ao inglês não ter muitas das flexões de gênero que há em outros idiomas?) Porém nunca houve um grupo ou ong no Brasil, além de casos individuais e esporádicos de militância (e provavelmente com razão), que defendesse restrições de terminologia, censura ou algo assim. (Talvez nem nos EEUU..., aquilo de “verticalmente prejudicado” foi uma invenção humorística, o termo correntemente usado é “little people”.)

No fim o que restou : sempre que alguém se posiciona a favor de respeito ou direitos humanos, especialmente em questões como machismo, intolerância religiosa, racismo ou xenofobia, detratores dessas causas misturam as coisas e defendem suas posições conservadoras amparados em uma pretensa defesa da liberdade de expressão vis-a-vis uma imaginária ditadura do politicamente correto. Porém, seria sumamente incorreto (quando não mesquinho), alguém escudar-se nisso para defender agressões preconceituosas ou ideais reacionários em meios de comunicação.

E a coisa pegou a um ponto (e no caso a existência da internet trouxe uma sobrevida a um processo já em declínio) que pessoas que normalmente se indignariam com algumas coisas se sentem tolhidas em criticar para não parecer “politicamente corretas”. Não é incomum encontrar-se pessoas corretíssimas e bem intencionadas que se preocupam denecessariamente com isso. (Mas eu não me sinto nem um pouco tolhido com essa pretensa antipatrulhagem, diga-se.)

Fala-se muito em “a turma do PC”, os “PC querem nos censurar”, etc. Mas quem? Exemplos concretos? Se alguém achar algum patrulhamento concreto e com conseqüências negativas no Brasil, muito provavelmente apenas será uma exceção que confirma a regra : militantes são sensatos e não arriscariam suas causas por pouca coisa.

Fala-se também do humor que se perderia se a “patrulhagem” fosse bem sucedida. Mas quais os exemplos a citar desse humor? Não se sabe. Ou se trata de piadas tão ruins que as pessoas ficam constrangidas em contá-las (e que TV nenhuma poria no ar) ou são piadas fracas, mas não incorretas.

Desencanemos, pois : se houvesse algo ou alguém realmente “politicamente correto” (o que não há) isso não deveria ser confundido com censura ou falta de humor, mas considerado como expressão de respeito, bom senso, capacidade de conviver com diferenças e os limites que as liberdades (e direitos) de outrem impõem. Aquilo que se chama hoje em dia “bom combate” (expressão esta, isso sim, reinvindicada e assumida por vários grupos, especialmente religiosos.)

E falta de imaginação, humor fácil, piadas velhas, chavões, etc não são “politicamente incorretos” nem alvo de ninguém ou de nenhum grupo. São apenas o que são, humor menos refinado, buscando sobreviver. Mas servindo de escada para outras coisas...

Resumindo : “incorreto”, a meu ver, são as mentiras, os preconceitos e os falsos argumentos. O resto em torno do assunto é construção de uma caricatura para facilitar justamente a perpetuação disso.

12 de fevereiro de 2011

Falando de contas públicas

Como semana que vem aparecerá o novo orçamento, e como sempre haverá críticas por qualquer lado, cabe exercitarmos o conhecimento dos números envolvidos.

Alguns discursos indevidos
As contas públicas brasileiras parecem saudáveis , mas não é isso que se ouve. A dívida pública é baixa em termos internacionais e em relação à capacidade de arrecadação. É falácia dizer-se que “gastos excessivos” levam a “dificuldades de finaciamento”, tanto porque o país apresenta há muito tempo superávit primário, tanto porque a relação dívida pública/PIB cai quase todos os anos (atualmente em 40,4%, linha 26 na tabela.) O risco Brasil é baixo (menor que de algumas economias européias) e não parece mandatório pagar-se Selic além dos 1,5%-2% reais que outras economias emergentes pagam para atrair capitais (para onde o capital fugiria?) Portanto, se os juros reais no Brasil são em torno de 4 ou 5% a.a., é porque assim se deseja (ou para manter o nível de poupança interna em uma economia com elevada propensão a consumir ou para frear inflação de demanda, além da que já ocorre por supervalorização das matérias-primas.)
Outro equívoco comum é considerar os gastos nominais com juros como sendo totalmente uma transferência de renda aos segmentos rentistas sem levar em conta a tributação incidente (IRRF ganho de capital, R$ 23 bi em 2010) e a inflação (senhoriagem, ou imposto inflacionário) que corrói o valor real da dívida pública líquida (6,5% * R$ 1,7 tri.) Deduzidos esses efeitos, o gasto com juros de R$ 195 bi em 2010, anunciado como 5,3% do PIB, representou na realidade apenas 1,7% do PIB, menor relação desde 2002. (linha 42 na tabela.)

O corte de R$ 50 bi
Supondo como politicamente válido o desejo de conter inflação, o ajuste fiscal ora anunciado é duplamente benéfico às contas públicas. Ao invés de elevar juros para conter uma demanda que concorreria com a do governo, veremos aumento de superávit primário (gastos correntes serão menores) e eventual redução de déficit nominal (juros podem ser menores do que seriam.)
De qualquer modo, uma política fiscal que prevê 5% de crescimento do PIB, para 2011, em uma economia de relativamente baixo desemprego, não pode ser chamada de contracionista. E veremos que muito pouco se reduzirão os gastos reais.
Ou o orçamento aprovado em 23/dez era muito generoso nas despesas ou o que será apresentado semana que vem é muito conservador nas receitas. Ou ambos. Não foi explicado porque a receita tributária caiu R$ 18 bi nesta revisão se o PIB será maior do que o previsto, em termos nominais, e não se prevê nenhuma desoneração. (E a previsão de R$ 4.056 bi para o PIB de 2011 é muito mais precisa que os R$ 3.927 bi aprovados na L.O.)
O orçamento original (proposta do executivo http://bit.ly/fS6s6O ) previa receitas de R$ 967 bi e despesas de R$ 914 bi. Isto significaria crescimentos nominais de 5,2 e 8,6% em relação aos números de 2010. Ora, reduzir em R$ 50 bi as despesas traz o crescimento nominal a 2,7% (em relação aos R$ 841 bi gastos em 2010), ou seja, um encolhimento real de apenas 3% dos gastos do Estado (se a inflação for 5,7%). Mas em relação a um ano de gastos recordes!
Está claro que o orçamento original estava superestimado, pois previa um crescimento real de 3% nos gastos do governo (iriam a 23,3% do PIB.) O novo orçamento, “pós-corte”, levará os gastos para 21,3% do PIB, um pouco acima dos 20,8% da média de 2005-2008 (em 2009 e 2010 foram de 22,0 e 22,9%, quando gastos do governo tiveram um papel anticíclico, o que não é necessário este ano.)
Enfim, o superávit primário do governo federal, que poderia ser de 1,4% (parecido ao de 2009, ano recessivo), poderá ser de 2,1% (como em 2006, 2007 e 2010.) Mais por isto ser bem razoável e compatível com a história do que por gosto do mercado.
Na tabela (linhas 3 a 18) vemos os principais números ao longo dos anos (os números do orçamento de dezembro em amarelo.) Enquanto não sai o novo orçamento temos que supor algumas coisas para 2011: PAC não aproveita a dotação extra aprovada em dezembro (que o levaria de R$ 40,2 para 43,5 bi), pessoal e transferências a estados crescem apenas de acordo com inflação e arrecadação, INSS tido como invariável.
Destaque deve ser dado à linha 16, Regime Geral da Previdência Social como proporção do PIB: o déficit é decrescente ao longo do tempo...

Possibilidades para juros
R$ 50 bi são 1,2-1,3% do PIB. Se, de fato, permitirem uma Selic em 1% menor ( http://bit.ly/hatRQa ), sendo que a dívida interna que remunera é em torno de 60% do PIB, aqui temos potencial para outros 0,6%/PIB de melhoria no resultado nominal. Interessante é que no discurso da mídia aparece que os juros podem “não aumentar” ou “aumentar menos”, enquanto no discurso de Mantega ouviu-se que se pretende “reduzir”. O que determinará um ou outro é a tendência da inflação.
Contudo, se o interesse fosse de contas públicas ainda melhores, flexibilizar em torno da meta de inflação, se for possível sem perder seu controle, seria favorável. Cada 1% de inflação a mais representam outros 0,5%/PIB de senhoriagem (imposto inflacionário sobre a dívida interna líquida.) Este artifício foi utilizado em 2010, o que ajudou a que a dívida/PIB baixasse nesse ano apesar das elevadas despesas do governo.
Se o governo projeta um PIB nominal 11% maior, com 5% de crescimento real, é porque fica implícita uma inflação de 5,7%. Dois anos seguidos de inflação acima de 4,5% não é o ideal, mas os preços dos alimentos dão uma justificativa.
Para ser uma única vez otimista, digamos que o governo corte os juros médios em 1%. Com juros de 10,25% (atualmente são 11,25%) na média do ano, teríamos gastos nominais de R$ 220 bilhões, em linha com os verificados em 2010. Mas se forem mantidos em 11,25%, aí teremos um gasto sobre o PIB de 6,1%, como não vemos desde 2007 (os números em rosa são todos minhas projeções, não encontrei projeções oficiais para o gasto com juros, agradeço sugestões para correção/aprimoramento das estimativas.)
O ano ainda está começando, mas pode-se imaginar que o déficit nominal terminará entre 3,3% e 4,8% do PIB, dos quais deverá ser subtraído um superávit de estados, municípios e estatais de 0,5 a 0,8% do PIB. Nada muito diferente do que se vê há vários anos, no pior dos casos parecido a 2005/2006, no melhor dos casos similar a 2008. Se for obtido um déficit nominal líquido de 2,5% para o conjunto do setor público, será um número muito satisfatório e que garante que a dívida pública/PIB não aumente.

Conservadorismo proposital?
Assim, este ano, o governo parece estar guardando muitos ases. Muitas coisas podem levar a melhoria das contas públicas (redução de gastos, não aumentar a Selic, desvalorização cambial, inflação.)
Eventualmente, o Real pode desvalorizar e, no patamar atual de reservas (13% do PIB), 10% de desvalorização já levariam a um superávit de 1,3% do PIB. Desvalorização também tem efeito positivo na arrecadação sobre lucros/salários, posto que maior parte da demanda é atendida internamente.
Não é necessário um ajuste fiscal expressivo (passar de 1,4% de superávit primário no orçamento para 2,2-2,6% na revisão); apenas é possível pelo fato da economia ainda estar aquecida, vinda da recuperação de 2010. Isto é, não é um ano em que políticas anti-cíclicas melhorariam emprego.
Nem é mandatório manter-se taxa tão elevada de juros, pois o próprio ajuste fiscal resulta em poupança, mas é politicamente conveniente fazer-se o possível para não se sair da margem superior da meta (6,5%.) Não tem sido comentado que ajuste fiscal é sempre mais estável que política monetária para conter inflação : em uma situação a dívida pública cai por dois lados, na outra sobre por dois lados (mais gastos, mais juros.)
Confirmando-se o novo orçamento, é difícil imaginar alguma piora no cenário.

7 de fevereiro de 2011

Minha PresidentA, sua PresidentE

A discussão sobre a flexão de gênero do substantivo “presidente” tomará no mínimo 4 anos. E, com a possibilidade de reeleição ou ainda de eleição de outra candidata no futuro, bom, pode ficar por tempo indeterminado.
Na verdade não é uma questão que vá muito além de gosto pessoal, pois ambas as formas, PresidentA e PresidentE são aceitas pela norma culta para uma mulher presidente. Apenas, de modo geral, recomenda-se evitar a redundância da expressão “mulher presidenta”
Longos debates, com mais de 100 comentários cada, aconteceram no blog brasilianas (aqui e aqui), devem ter ocorrido em outros lugares também com resultados parecidos : muita argumentação em torno de pouco problema. Resumo a seguir o que encontrei com maior frequência.
Razões para escrever PresidentA
- deferência à preferência pessoal e declarada da própria presidenta. Afinal, na ausência de regra que obrigue a um uso, por que não a gentileza de atender a um desejo? (Eventualmente isto poderá se relacionar com pesquisas de popularidade...);
- reforço da preferência eleitoral de quem está usando o termo. Isto é, aparentemente quem votou em Dilma seria mais propenso a usar a forma terminada em –enta. Mas Sarney usou –ente no discurso da posse. Vários blogs governistas também têm escrito -ente... E uol.com.br e ig.com.br têm usado –enta... Se isto chegou a ser significativo, talvez não seja mais. Em todo o caso, na mídia escrita, ainda dá para ver preferências aqui e ali... (Carta Capital definou –enta, FSP prefere –ente);
- afirmação de gênero. Muita gente apresenta como argumento que usará presidentA, independente de preferência pessoal, para favorecer a afirmação da presença da mulher na política e na tomada de decisões para a sociedade, presença esta que ainda está relativamente em seu início. Eventualmente esta prática poderá se estender a outras situações, para quando mulheres assumirem a principal posição no Senado, na Câmara, em tribunais. Será que não há um movimento similar nas organizações privadas? (Cabe lembrar que a outra candidata, Marina Silva, gostava de frisar suas chances de se tornar a “primeira mulher presidente”, outra maneira de afirmação de gênero.)
Considerando a importância de marcar a ascensão de mulheres a postos de comando, a afirmação de gênero parece-me razão suficiente e a mais importante para se insistir um pouco mais no uso de presidentA. Daí é aguardar se a sociedade sancionará o seu uso ou o abandonará como eventual modismo.
Razões para escrever PresidentE
- conservadorismo lingüístico. Embora a forma presidenta exista na literatura desde final do século XIX (Machado de Assis) e em dicionários desde o início do século XX, é fato que por muitas décadas as eventuais (e poucas) presidentas de alguma coisa foram chamadas de presidentes. Esta forma então se justificaria pelo fato de presidente ser comum de dois gêneros e não ser necessária a flexão de gênero;
- há muitas argumentações em torno de estilo, etimologia e eufonia (sons agradáveis), que podem ser lidas nas discussões apontadas ou pesquisadas na internet. Entretanto nenhuma se determinou cabal para determinar o uso de presidentE, nem sequer foi possível caracterizar a forma presidentA como uma exceção. Fica claro que em geral prevalece o gosto pessoal, inclusive para os partidários políticos e fãs da presidenta. Ou presidente. Ou da primeira mulher presidente...
O que pode e o que deve
Em resumo, pode-se usar tranquilamente ambas as formas. E não há uma ou outra que se deva usar. Por gosto ou tradição muitos preferirão presidente, por entusiasmo com a novidade muitos outros usarão presidenta. Então, o que se deve é sentir-se confortável no uso. Eu me sinto confortável usando presidentA e não penso em me autocorrigir se um dia vier a usar presidentE.
Trata-se de uma questão de posicionamento da sociedade além de um desenvolvimento linguístico corriqueiro, mas não tão grave. A situação toda é um evento incomum, raramente se vê uma mobilização assim em função do uso de uma palavra. O que irá predominar? Não sabemos e talvez as duas formas convivam por muito tempo. Afinal, logo na primeira entrevista como presidenta eleita, para duas jornalistas da TV Record, Dilma usou ambas as formas!
Podemos acompanhar pelo Google, o tira-teima rápido de qualquer questão:
Número de resultados no Google para as expressões “presidente Dilma” e “presidenta Dilma” (pesquisa em 07/fev./2011):
Out./2010 : 313 mil (-ente) / 115 mil (-enta) = 26,9%
Nov./2010 : 657 mil (-ente) / 267 mil (-enta) = 28,9%
Dez./2010 : 521 mil (-ente) / 230 mil (-enta) = 30,6%
Jan./2011 : 1.580 mil (-ente) / 716 mil (-enta) = 31,2%
Conclusão : embora pesquisas no Google não revelem “grandes coisas”, o que parece estar ocorrendo é que a forma –enta já é usada em quase 1/3 das páginas e citações e também que está crescendo lentamente, mas de modo marginalmente decrescente. Nesse ritmo, lá pelo final do mandato o uso de cada forma poderá estar em torno de 50%. Ou não.
Usem a forma que preferirem e façam suas apostas!

3 de fevereiro de 2011

Agora é que o Brasil segue o mundo

Tem sido muito comentada a capacidade da economia brasileira acompanhar os bons ventos da economia internacional. Ou escapar dos maus. Solicito paciência ao leitor para acompanhar o raciocínio exposto, que é longo, que deverá levar a seguinte consideração geral: o desempenho do Brasil não tem sido excepcionalmente melhor que o de outros países nos últimos anos (desde 2004), mas foi particularmente pior em períodos anteriores.
Sabemos que condições internacionais interferem de vários modos: cotações de preços para matérias-primas e mudanças nas relações internacionais de troca; acesso a mercados internacionais de crédito; reflexos das crises de outros países; fluxos de investimentos diretos; inserção no comércio internacional e dependência da oferta/procura externa.
Uma economia, por grande que seja como é o caso da brasileira, não é capaz de manter-se inteiramente alheia aos grandes movimentos internacionais. Como exemplo vivemos atualmente a “inflação mundial por preços de alimentos”; a “valorização geral das moedas de países emergentes”; o “descolamento das taxas de crescimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”.
Eventualmente, políticas desenvolvimentistas, industriais ou não, de um país podem levar a um desempenho melhor que outros países do mesmo estágio de renda. Alternativamente, imprudência na condução da economia ou excesso de ortodoxia podem levar a um desempenho inferior. O Brasil tem estado mais vezes neste segundo caso nas últimas três décadas.
DADOS CONSIDERADOS
Vamos fazer um pequeno retrospecto mostrando como as taxas de crescimento econômico se deram em diversos períodos recentes e em diversos grupos de países.
O que temos de dados: as estimativas de PIB por Paridade de Poder de Compra (em US$) de 1980-2009 e as projeções, feitas pela EIU (Economic Intelligence Unit da revista The Economist) para os anos de 2010 e 2011; os deflatores implícitos dos EEUU para trazer os dados em crescimento real  (importante porque na década de 1980 a inflação foi elevada nesse país); as populações em cada ano para o cálculo da Renda per Capita (importante porque as populações crescem de modo muito diferenciado em um período de 31 anos.)
Vamos dividir os dados de crescimento real por habitante em 4 períodos (de preferência de 8 anos cada, mas sendo o primeiro de 7 anos):
1981-1987 : fase inicial onde os países em desenvolvimento foram afetados pela crise da dívida, ao final contornada pelo Plano Brady;
1988-1995 : período de liberalização da economia em grande parte do globo; planos econômicos de estabilização em vários países, especialmente no Brasil;
1996-2003 : algumas grandes crises de dívida externa (Rússia e Argentina, p.ex.); no Brasil política de juros reais elevados (decrescendo de 16 a 10% no período);
2004-2011 : elevação internacional dos preços de matérias-primas; crise financeira e de demanda nas economias centrais (2008-2010); economias emergentes liquidam suas dívidas externas (esse processo não foi só brasileiro e economias asiáticas como Índia, China e Indonésia passam a manter de 20 a 40% do PIB em reservas internacionais.) Assume-se aqui as projeções mais recentes da EIU como realistas.
O universo considerado são as 33 maiores economias do globo (as com PIB em PPC superior a US$ 500 bi), ainda que para algumas (Arábia Saudita, Rússia, Polônia e Taiwan) não tenhamos todos os dados. As 29 economias com dados para todo o período representam 80% do PIB mundial.
Os períodos não coincidem com os mandatos presidenciais brasileiros, o que não é particularmente grave posto que 2011 apresenta características similares a 2010, 2003 foi em muito continuidade da política anterior e 1995 foi o último ano de forte crescimento na recuperação da recessão 1990-1992.
RESULTADOS DA COMPARAÇÃO
A tabela resumo mostra que:
De 1980 a 2011 apenas dois grandes paises em desenvolvimento atingiram renda para serem considerados desenvolvidos, a Coreia e, presumivelmente (pois sem dados para 1980), Taiwan
De 1980 a 2011 apenas dois grandes países subdesenvolvidos atingiram renda para serem considerados em desenvolvimento, a China e a Tailândia.
A desconcentração internacional de renda têm sido lenta entre países desenvolvidos e em desenvolvimento : a renda média destes como percentual da dos primeiros passou de 33% em 1980 para 29% em 1995 e daí para os atuais 36%. (A do Brasil passou de 35% em 1980 para 24% em 2003 estando agora em 30%.)
Contudo, China e Índia apresentam maiores taxas de crescimento da renda por habitante a partir dos anos 80 e 90, e, como isso não é incomum para países em que os fatores de produção estavam muito subaproveitados, a renda média dessas economias passou, como proporção da dos países desenvolvidos, de 4% para 14% em 31 anos.
Sem exceções, para o mundo desenvolvido, os dois períodos de maior crescimento (em rosa) sempre estiveram entre 1981 e 2003. O período 2004-2011, com um crescimento de apenas 4% reflete a crise de 2008 e, se compararmos com um crescimento típico de 17-19% para cada período de 8 anos, vemos o impacto total: uma renda média que poderia ter crescido 13-15% a mais. Neste grupo apenas a Austrália teve desempenho melhor, em função da exportação de minérios.
De maneira geral, para países em desenvolvimento, os melhores períodos foram 1988-1995 e 2004-2011. Algumas economias tiveram bom desempenho de 1996 a 2003, mas vários países apresentaram crescimento negativo em 1981-1987 (o período de maior ajuste à crise da dívida externa e do aumento dos juros nos EEUU.)
O descolamento é demonstrado pelas médias de cada grupo e período.

O BRASIL NESSE CONTEXTO
A economia brasileira completará em 2011 (possivelmente) um período de 8 anos de crescimento de 27% na renda per capita (37% no total, compondo com o crescimento da população.) Mas esse desempenho, que é muito bom, em parte devido a condições internacionais, em parte a políticas internas, não é exceção para países de médio desenvolvimento : na verdade, todos os principais países nesse grupo cresceram entre 22 e 32% nos últimos 8 anos! (A Argentina mais, pela recuperação após a grande recessão de 2002.) Assim, de 9 países no grupo, o Brasil foi o 4º (não constam na lista, mas economias como Peru e Chile tiveram desempenho similar.)
O que aconteceu que levou a tanta maior exposição do Brasil em foros internacionais?
a)      Grande tamanho relativo : o Brasil passou a Itália em 2010 como 7ª maior economia e talvez passe este ano a Rússia como 6ª;
b)      Valorização da moeda, ainda maior que a da maioria dos países, que fez o PIB em US$ correntes passar de 500 bilhões para 2 trilhões em 8 anos. Isto é relevante pelo poder de compra internacional (pense-se em armamentos, p.ex.);
c)       Sua economia verticalizada : trata-se de um dos poucos grandes países simultaneamente exportador de manufaturas (ainda que em baixa) e matérias-primas;
d)      Ter sido, em função de políticas sociais, um dos poucos países onde o crescimento deu-se com distribuição de renda.
Mas, principalmente, devemos falar do contraste com os períodos anteriores. De 1988 a 2003 a média dos 9 principais países em desenvolvimento (Brasil incluído) mostrou um crescimento de 36% em sua renda por habitante, mas o Brasil apenas 3%. Apenas Argentina e África do Sul tiveram desempenho tão ruim. Não é verdadeiro, portanto, atribuir-se a crises internacionais o fraco crescimento brasileiro de 1990 a 2003, sendo o mais provável ter havido uma combinação de moeda excessivamente valorizada; abertura exagerada a importações; juros excepcionalmente altos, enfraquecimento do mercado consumidor interno e baixo investimento em infraestrutura; que constrangeram a atividade econômica como um todo.
Todas as demais economias relevantes nesse período, excetuando as duas já mencionadas,  tiveram um crescimento de pelo menos 21% entre 1988 e 2003, expostas as mesmas crises internacionais do período, o que dá uma medida do que o Brasil perdeu em termos de potencial de produto : se tivesse acompanhado, nesses anos de mudança de política econômica para mais conservadora, o que se passou em outros países em desenvolvimento, seu PIB hoje seria pelo menos 18% maior.
Cerca de 2/3 do crescimento econômico do Brasil verifica-se nos últimos 8 de uma sequência de 31 anos e internamente isso trouxe uma sensação de bem-estar, mas talvez também de alívio por sair do marasmo. E não podemos perder de vista o seguinte : apenas na Argentina, África do Sul, Filipinas e Nigéria, dentre as maiores economias, observou-se algo similar.
Assim, o Brasil, mais do que revelar-se um cisne da economia mundial (e afinal já o tinha sido nos anos 70, ao alcançar em 1980 a posição de 8ª maior economia do mundo, que foi perdendo até chegar a ser a 13ª), parece chamar a atenção agora por ter deixado de ser um patinho feio. Talvez algum nacionalismo na nossa visão de mundo tenha superestimado o progresso recente e subestimado o retrocesso anterior.