30 de janeiro de 2011

O Caldeirão do Oriente Médio

Trata-se de uma história muito complicada, pelas inúmeras divisões, reviravoltas e contradições. Mas, abrindo mão do perfeccionismo na avaliação e do registro histórico, pedindo de antemão escusas por erros e omissões, e com simplificações, talvez possamos traçar alguns elementos gerais para a compreensão de como se caminhou até o momento atual:
HISTÓRICO BREVE
- até a 1ª. metade do século XX a maior parte da região de população árabe (o que exclui Irã e Turquia) era dependente politicamente de França e Reino Unido, sob a forma de colônia, protetorado ou acordos de política/defesa externa. Alguns países sofreram influência da Turquia (Império Otomano) até a derrota desta em 1918.
- na primeira fase após o declínio do poder exercido pelas metrópoles européias, descolonização quando aplicável, os que se mantiveram como monarquias via-de-regra foram alinhados ao campo ocidental, por óbvio. Apenas em algumas ocasiões (como Egito 1948) o sentimento arabista antagônico a Israel levou a posições contrárias, mas não rupturas.
- alguns países, no afã de acelerar suas economias ou mesmo serem menos dependentes, chegaram a flertar com o apoio da URSS, que buscava aumentar sua influência. Nenhum chegou a implantar o socialismo estrito senso (o mais próximo foi a Argélia), mas sistemas econômicos com forte participação estatal foram visíveis (o que não surpreende em comparação com países subdesenvolvidos dos demais continentes contemporâneos.) Muitos se intitulavam “não-alinhados”, o que era comum para países em desenvolvimento na época da Guerra Fria.
- a capacidade de influenciar na região ficou sempre determinada por alianças regionais (como Egito-Síria-Líbia em alguns anos), alinhamento a potências estrangeiras divergentes ou oscilações do mercado de petróleo. Uma história diferente da América Latina, portanto. Mas algumas mudanças na política econômica não : uma continuidade política no poder pôde envolver caminhar para algo mais liberal do mesmo modo que no México, na Argentina, Peru, porém sem maior democratização. E isso pode envolver um alinhamento aos EEUU no momento em que a URSS esteve em transição para sua dissolução.
MOMENTO ATUAL
- em geral o poder repousa nas mãos de monarquias absolutistas, ditaduras militares ou sistemas com partido único e/ou dominante. Oposição tolerada e democracia pluripartidária convencional não são elementos freqüentes. Há conflitos entre a modernização laica e o poder temporal mais agudos que na maior parte do mundo, que se mesclam aos recortes de classe.
- a doutrina islâmica vêm ampliando sua atuação política, pregando o retorno parcial de legislação de cunho religioso, aproveitando-se de conflitos sociais e econômicos. Tais correntes tendem a ser pouco pró-ocidentais e nacionalistas, mas não socialistas. O Irã é anti-estadunidense, e com forte presença estatal (bancos, p.ex.) mas pára nisso e sua classe média concentradora de renda é consumista como qualquer outra.
- as grandes clivagens acabam não sendo pelo lado econômico, dos mais pró-estadunidenses indo ao oposto  : regimes monarquistas teocráticos ou laicos; repúblicas pró-ocidentais; repúblicas não-alinhadas; repúblicas teocráticas.
- com exceção dos exportadores de petróleo, a maioria das nações da região oscila entre renda média baixa (mas bem superior à renda da África subsahariana) e renda média (como os maiores países da América Latina); grandes diferenças sociais, industrialização precária e rápido crescimento da população são a norma (com algumas exceções como o Irã, cuja fertilidade foi a que mais caiu no mundo nos últimos 20 anos.)
CENÁRIO POSSÍVEL
Independente de convicções ou desejos pessoais, o que podemos prospectar?
- como a maioria dos regimes não foi eficaz no desenvolvimento social, surge potencial para oposição pelo lado fundamentalista;
- a simpatia aos EEUU (e OTAN em geral) pode vir a ser decrescente. Note-se que raramente convulsões levam a sentimento pró-americano;
- monarquias podem enfrentar problemas inéditos;
- a inserção de Israel fica mais complexa (com menor simpatia da Turquia e Egito), apesar de maiores liberdades democráticas nos vizinhos. Em geral isso se agrava com o Likud no poder;
- as repúblicas de maioria islâmica da ex-URSS (Cazaquistão, etc.) podem finalmente vir a se posicionar na região, pois também não são exemplos de prosperidade democrática;
- Rússia pode encontrar caminhos para recuperar alguma influência;
- A observação gráfica indica um caminho mais ou menos comum : monarquia > república nacionalista de partido único > liberalização da economia e/ou maior influência do islamismo na legislação.
INFOGRÁFICO
Os países são apresentados pelos seus nomes atuais. (Por curiosidade : as cores do movimento pan-árabe são o preto, verde e vermelho; a cor símbolo do islã é o verde, logo, quase todas as bandeiras desses países são nessas cores, sendo o uso do azul e do amarelo incomuns.)
Legenda:
A altura das linhas dos países com PIB superior a US$ 200 bi é maior (em geopolítica isso pode, eventualmente, passar uma noção melhor da influência que a população ou área.)
+ = golpes de estado, guerras, conflitos expressivos
Azul claro = influência britânica / Rosa = influência francesa / Amarelo = influência de Turquia ou Itália / Vermelho = monarquia pró-ocidental / verde claro = liberalização da economia /  verde escuro = economia com viés estatista / cinza = influência de partidos islâmicos / grafite = república teocrática

8 comentários:

  1. Oi Miriam, obrigado! Puxa, nos vemos com tanta frequência que eu esqueci de falar que gosto de fazer comentários em blogs. Escrevia muito no blog do Nassif, e este texto passei pra lá. Abs.

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  2. Gunter, dúvida: quais são as cores finais de Turquia e Líbano?

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  3. Oi Cláudia, os que usam vermelho e branco são Turquia (não-árabe), Líbano, Tunísia, Catar, Barém e, antes da república, Iemem. Indonésia (não árabe)
    Verde e branco: Líbia (só verde), Arábia, Paquistão (não árabe)
    Preto/vermelho/branco são Egito, Síria, Iraque, Iêmem
    Pt/vm/bc/vd: Jordânia, Palestina
    vd/vm/bc: Argélia, Omã, Irã
    vd/vm : Marrocos, Bangladesh (não-árabe)

    Porque usam tanto pt,vd,vm é por razões históricas, mas não sei porque muçulmanos não usam muito o azul ou amarelo

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  4. Ah, desculpe, Cláudia, agora é que caiu a ficha rsrs.
    É cinza claro, porque em ambos os países partidos com ligações religiosas fazem parte do governo junto com leigos. (Não é igual, mas pensemos no PRB daqui, que é um partido formado por evangélicos)
    Cinza escuro seria para quando o país adota lei muçulmana como república (a Arábia adota, mas é monarquia e aí ficaria complicado desenhar)

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  5. Gunter, salvo engano, no Líbano todos os cargos do governo são divididos de acordo com a religião. Vou pesquisar lá no blog do Chacra porque sei que ele já escreveu sobre isso.

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  6. É isso mesmo.
    "Em teoria, o Líbano ainda se divide em presidente cristão maronita, premiê sunita e presidente do Parlamento xiita. Metade dos deputados é cristã e a outra se divide entre sunitas, xiitas e drusos. O mesmo vale para o gabinete ministerial e as Forças Armadas."
    Mas tem um post em que ele explica direitinho como é a divisão. Se achar colo aqui.

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  7. Oi Cláudia, teríamos que ver o poder de cada cargo. Eles guardam ainda muitas cicatrizes da guerra civil. O Líbano é um cadinho de coisas, é um lugar que eu gostaria de conhecer. Acho que desses grupos quem mais tenta envolver a sociedade com religião são os xiitas, apoiados pelo Hizbollah.

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