Trata-se de uma história muito complicada, pelas inúmeras divisões, reviravoltas e contradições. Mas, abrindo mão do perfeccionismo na avaliação e do registro histórico, pedindo de antemão escusas por erros e omissões, e com simplificações, talvez possamos traçar alguns elementos gerais para a compreensão de como se caminhou até o momento atual:
HISTÓRICO BREVE
- até a 1ª. metade do século XX a maior parte da região de população árabe (o que exclui Irã e Turquia) era dependente politicamente de França e Reino Unido, sob a forma de colônia, protetorado ou acordos de política/defesa externa. Alguns países sofreram influência da Turquia (Império Otomano) até a derrota desta em 1918.
- na primeira fase após o declínio do poder exercido pelas metrópoles européias, descolonização quando aplicável, os que se mantiveram como monarquias via-de-regra foram alinhados ao campo ocidental, por óbvio. Apenas em algumas ocasiões (como Egito 1948) o sentimento arabista antagônico a Israel levou a posições contrárias, mas não rupturas.
- alguns países, no afã de acelerar suas economias ou mesmo serem menos dependentes, chegaram a flertar com o apoio da URSS, que buscava aumentar sua influência. Nenhum chegou a implantar o socialismo estrito senso (o mais próximo foi a Argélia), mas sistemas econômicos com forte participação estatal foram visíveis (o que não surpreende em comparação com países subdesenvolvidos dos demais continentes contemporâneos.) Muitos se intitulavam “não-alinhados”, o que era comum para países em desenvolvimento na época da Guerra Fria.
- a capacidade de influenciar na região ficou sempre determinada por alianças regionais (como Egito-Síria-Líbia em alguns anos), alinhamento a potências estrangeiras divergentes ou oscilações do mercado de petróleo. Uma história diferente da América Latina, portanto. Mas algumas mudanças na política econômica não : uma continuidade política no poder pôde envolver caminhar para algo mais liberal do mesmo modo que no México, na Argentina, Peru, porém sem maior democratização. E isso pode envolver um alinhamento aos EEUU no momento em que a URSS esteve em transição para sua dissolução.
MOMENTO ATUAL
- em geral o poder repousa nas mãos de monarquias absolutistas, ditaduras militares ou sistemas com partido único e/ou dominante. Oposição tolerada e democracia pluripartidária convencional não são elementos freqüentes. Há conflitos entre a modernização laica e o poder temporal mais agudos que na maior parte do mundo, que se mesclam aos recortes de classe.
- a doutrina islâmica vêm ampliando sua atuação política, pregando o retorno parcial de legislação de cunho religioso, aproveitando-se de conflitos sociais e econômicos. Tais correntes tendem a ser pouco pró-ocidentais e nacionalistas, mas não socialistas. O Irã é anti-estadunidense, e com forte presença estatal (bancos, p.ex.) mas pára nisso e sua classe média concentradora de renda é consumista como qualquer outra.
- as grandes clivagens acabam não sendo pelo lado econômico, dos mais pró-estadunidenses indo ao oposto : regimes monarquistas teocráticos ou laicos; repúblicas pró-ocidentais; repúblicas não-alinhadas; repúblicas teocráticas.
- com exceção dos exportadores de petróleo, a maioria das nações da região oscila entre renda média baixa (mas bem superior à renda da África subsahariana) e renda média (como os maiores países da América Latina); grandes diferenças sociais, industrialização precária e rápido crescimento da população são a norma (com algumas exceções como o Irã, cuja fertilidade foi a que mais caiu no mundo nos últimos 20 anos.)
CENÁRIO POSSÍVEL
Independente de convicções ou desejos pessoais, o que podemos prospectar?
- como a maioria dos regimes não foi eficaz no desenvolvimento social, surge potencial para oposição pelo lado fundamentalista;
- a simpatia aos EEUU (e OTAN em geral) pode vir a ser decrescente. Note-se que raramente convulsões levam a sentimento pró-americano;
- monarquias podem enfrentar problemas inéditos;
- a inserção de Israel fica mais complexa (com menor simpatia da Turquia e Egito), apesar de maiores liberdades democráticas nos vizinhos. Em geral isso se agrava com o Likud no poder;
- as repúblicas de maioria islâmica da ex-URSS (Cazaquistão, etc.) podem finalmente vir a se posicionar na região, pois também não são exemplos de prosperidade democrática;
- Rússia pode encontrar caminhos para recuperar alguma influência;
- A observação gráfica indica um caminho mais ou menos comum : monarquia > república nacionalista de partido único > liberalização da economia e/ou maior influência do islamismo na legislação.
INFOGRÁFICO
Os países são apresentados pelos seus nomes atuais. (Por curiosidade : as cores do movimento pan-árabe são o preto, verde e vermelho; a cor símbolo do islã é o verde, logo, quase todas as bandeiras desses países são nessas cores, sendo o uso do azul e do amarelo incomuns.)
Legenda:
A altura das linhas dos países com PIB superior a US$ 200 bi é maior (em geopolítica isso pode, eventualmente, passar uma noção melhor da influência que a população ou área.)
+ = golpes de estado, guerras, conflitos expressivos
Azul claro = influência britânica / Rosa = influência francesa / Amarelo = influência de Turquia ou Itália / Vermelho = monarquia pró-ocidental / verde claro = liberalização da economia / verde escuro = economia com viés estatista / cinza = influência de partidos islâmicos / grafite = república teocrática
Muito bom! Parabéns!
ResponderExcluirOi Miriam, obrigado! Puxa, nos vemos com tanta frequência que eu esqueci de falar que gosto de fazer comentários em blogs. Escrevia muito no blog do Nassif, e este texto passei pra lá. Abs.
ResponderExcluirGunter, dúvida: quais são as cores finais de Turquia e Líbano?
ResponderExcluirOi Cláudia, os que usam vermelho e branco são Turquia (não-árabe), Líbano, Tunísia, Catar, Barém e, antes da república, Iemem. Indonésia (não árabe)
ResponderExcluirVerde e branco: Líbia (só verde), Arábia, Paquistão (não árabe)
Preto/vermelho/branco são Egito, Síria, Iraque, Iêmem
Pt/vm/bc/vd: Jordânia, Palestina
vd/vm/bc: Argélia, Omã, Irã
vd/vm : Marrocos, Bangladesh (não-árabe)
Porque usam tanto pt,vd,vm é por razões históricas, mas não sei porque muçulmanos não usam muito o azul ou amarelo
Ah, desculpe, Cláudia, agora é que caiu a ficha rsrs.
ResponderExcluirÉ cinza claro, porque em ambos os países partidos com ligações religiosas fazem parte do governo junto com leigos. (Não é igual, mas pensemos no PRB daqui, que é um partido formado por evangélicos)
Cinza escuro seria para quando o país adota lei muçulmana como república (a Arábia adota, mas é monarquia e aí ficaria complicado desenhar)
Gunter, salvo engano, no Líbano todos os cargos do governo são divididos de acordo com a religião. Vou pesquisar lá no blog do Chacra porque sei que ele já escreveu sobre isso.
ResponderExcluirÉ isso mesmo.
ResponderExcluir"Em teoria, o Líbano ainda se divide em presidente cristão maronita, premiê sunita e presidente do Parlamento xiita. Metade dos deputados é cristã e a outra se divide entre sunitas, xiitas e drusos. O mesmo vale para o gabinete ministerial e as Forças Armadas."
Mas tem um post em que ele explica direitinho como é a divisão. Se achar colo aqui.
Oi Cláudia, teríamos que ver o poder de cada cargo. Eles guardam ainda muitas cicatrizes da guerra civil. O Líbano é um cadinho de coisas, é um lugar que eu gostaria de conhecer. Acho que desses grupos quem mais tenta envolver a sociedade com religião são os xiitas, apoiados pelo Hizbollah.
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